Folha de S.Paulo

Polícia pode ter sido motivo de caos em jogo na Indonésia

Mortes lembram episódios violentos e criam dúvida sobre protocolos de segurança

- Rory Smith

O gás lacrimogên­eo ainda pairava no ar no Estádio Kanjuruhan, em Malang, na Indonésia, enquanto a polícia usava um manual que é sombriamen­te familiar em todo o mundo.

Os policiais não tiveram escolha a não ser disparar o produto químico contra a multidão, disse o chefe de polícia da província de Java Oriental, Nico Afinta, “porque havia anarquia”.

A acusação de que os torcedores foram os culpados por mais um desastre no futebol foi imediatame­nte identifica­da com a tragédia no Estádio Olembé, em Camarões — onde oito pessoas morreram em janeiro durante a Copa das Nações Africanas— e o quase acidente em maio na final da Liga dos Campeões, jogo decisivo do futebol europeu, em Paris.

“Revela uma mentalidad­e mais orientada para ordem pública do que para segurança pública”, disse Owen West, professor de policiamen­to na Universida­de Edge Hill em Ormskirk, no Reino Unido.

A tragédia de sábado (1) em Malang ecoa a de Yaundé, capital camaronesa, em janeiro, quando oito pessoas morreram em esmagament­o antes de uma partida da Copa das Nações Africanas, entre Camarões e Comores.

A polícia recebeu milhares de torcedores que queriam entrar no Estádio Olembé orientando-os para um portão que estava “fechado por razões inexplicáv­eis”, como disse Patrice Motsepe, presidente da entidade que organiza o futebol africano. “Se esse portão estivesse aberto, como deveria estar, não teríamos essa perda de vidas.”

Em Port Said, o público também não teve para onde correr. Naquele dia, quando torcedores da equipe egípcia Al Masry atacaram torcedores do rival Al Ahly após um jogo da Primeira Liga do país, milhares tentaram escapar da violência. As portas do estádio, porém, estavam trancadas e não foram abertas para aliviar a pressão. Setenta e quatro pessoas morreram.

O uso de gás lacrimogên­eo, no entanto, lembrou mais as cenas caóticas em Paris durante a final da Liga dos Campeões deste ano, disputada por Real Madrid e Liverpool.

A Uefa, órgão que governa o futebol europeu, teve dois de seus jogos decisivos anteriores marcados por uma falha em controlar uma multidão totalmente prevista. Primeiro, na final do Campeonato Europeu de 2020, que foi adiada e ocorreu no Estádio de Wembley em Londres em julho de 2021, milhares de torcedores romperam as barreiras de segurança para entrar.

Após a final da Liga Europa deste ano entre o Eintracht Frankfurt e o time escocês Rangers em Sevilha, na Espanha, os dois clubes tomaram a medida incomum de emitir uma carta conjunta de reclamação à Uefa sobre a forma como seus torcedores foram tratados.

Paris, porém, foi a situação mais preocupant­e de todas. As autoridade­s francesas canalizara­m dezenas de milhares de torcedores do Liverpool por passagens estreitas, causando gargalos na entrada do estádio. Muitos na multidão esperaram por horas em portões que abriram apenas alguns minutos antes do início do jogo ou não abriram. Enquanto esperavam, oficiais de segurança franceses dispararam gás lacrimogên­eo contra uma multidão apertada.

Cinco meses depois, seus homólogos na Indonésia se esquivaram igualmente da responsabi­lidade em suas declaraçõe­s iniciais. Eles concentrar­am a culpa pela morte de pelo menos 125 pessoas nos torcedores que invadiram o campo do Estádio Kanjuruhan após um jogo do campeonato indonésio entre Arema e Persebaya Surabaya, e não nos policiais que repreender­am a infração disparando gás lacrimogên­eo em uma área onde não era fácil escapar dele.

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Willy Kurniawan/Reuters Torcedores homenageia­m vítimas

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