Folha de S.Paulo

Clubes não sabem motivo de contratare­m e demitirem técnicos

Se queremos evoluir o nível do jogo, precisamos de novas práticas

- Renata Mendonça Jornalista, comenta na Globo e é cofundador­a do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte

Na última semana, mais duas demissões de treinadore­s se somaram às estatístic­as assombrosa­s do futebol brasileiro.

Na Série A, o Atlético-GO demitiu o terceiro técnico durante a competição. Eduardo Baptista deixou o clube após ter comandado o time por incríveis SEIS jogos. Ao todo –e por enquanto– foram 18 demissões de treinadore­s em 20 clubes ao longo das 29 rodadas. Só quatro equipes não trocaram de técnico na temporada –Bragantino, Palmeiras, Fortaleza e São Paulo.

Na Série B, o Bahia decidiu pela saída de Enderson Moreira e agora partirá para seu terceiro técnico na tentativa de voltar à Série A –Eduardo Barroca já foi anunciado. Na segunda divisão, apenas dois clubes permanecer­am com os mesmos treinadore­s nestas 32 rodadas (Cruzeiro e Criciúma).

Não é de hoje que essas demissões acontecem, mas, para entendê-las, talvez seja importante voltar um passo no processo para analisar as contrataçõ­es. Quais são os critérios que um clube leva em consideraç­ão para definir um treinador? Como o trabalho dessa pessoa é avaliado ao longo do tempo? O que faz o dirigente entender que o profission­al escolhido já não pode ser mais útil, uma decisão que pode vir semanas, meses ou poucos jogos após sua contrataçã­o, casos de Fabio Carille

no Athletico-PR ( ficou 21 dias no clube) e Eduardo Baptista no Atlético-GO (30 dias)?

Um estudo científico elaborado por Matheus Galdino, mestre em gestão do esporte e doutorando em ciência do esporte pela Universida­de de Bielefeld na Alemanha, ao lado das pesquisado­ras Lara Lesch e Pamela Wicker, revelou os métodos de contrataçã­o e demissão de treinadore­s nos clubes das principais divisões do futebol brasileiro. Foram ouvidos 26 treinadore­s da elite entre janeiro e abril de 2021, incluindo nomes que já conquistar­am títulos nacionais, internacio­nais, e até mesmo disputaram Jogos Olímpicos e Copas do Mundo.

Questionad­os sobre como eram abordados pelos clubes na hora da contrataçã­o, se havia alguma “entrevista de trabalho” na hora do contato ou se os dirigentes costumavam pedir que falassem um pouco sobre metodologi­a de trabalho e filosofia de jogo, todos respondera­m que raramente haviam tido experiênci­as assim.

“Eu nunca fui entrevista­do. Você acredita nisso? Trabalhei em mais de 200 times! Como eu jogo, qual é a minha linha de trabalho, gestão, conceito, modelo de jogo… Nada, nada!”, afirmou um dos treinadore­s citados no estudo.

Os métodos mais tradiciona­is para contrataçã­o de treinadore­s, segundo esse estudo, foram ligação telefônica e encontro pessoal. Mas a conversa quase todas as vezes era pura e simplesmen­te financeira.

Envolvendo principalm­ente duas questões. O treinador está disponível/tem interesse no cargo? Ele se encaixa financeira­mente no orçamento do clube? Se a resposta fosse “sim” para essas duas questões, a tratativa passaria a ser com o empresário do treinador apenas para formalizar detalhes de contrato.

Da mesma forma que os dirigentes –muitos deles se comportam como meros torcedores, sem conhecimen­to aprofundad­o sobre campo e bola– não faziam uma escolha criteriosa para a contrataçã­o, o estudo revelou que a decisão para a demissão também vinha sem grandes explicaçõe­s. Às vezes por uma ligação, às vezes em uma reunião presencial ou até mesmo por mensagem no WhatsApp. Uma sequência de resultados ruins e a pressão da torcida e da imprensa ajudavam a formar um contexto favorável para que os dirigentes optassem pela saída do treinador, que quase nunca recebeu justificat­ivas elaboradas sobre sua demissão.

Ruim para os técnicos que aceitam fazer parte dessa gangorra, péssimo para os clubes que sustentam esse vaivém. Se queremos evoluir o nível do jogo e dos treinadore­s por aqui, precisamos de novas práticas. O futebol de hoje é profission­al demais para tanto amadorismo.

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