Folha de S.Paulo

Relatório aponta abuso sistêmico no futebol feminino dos EUA

Apuração mostra que executivos, donos de clubes e técnicos fizeram vistas grossas por anos para abusos contra atletas

- Kevin Draper Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Um treinador chamou uma jogadora para rever uma partida e, em vez disso, lhe mostrou pornografi­a. Outro era conhecido nos níveis mais altos do futebol feminino por repreender suas jogadoras e depois questionál­as sobre suas vidas sexuais.

Um terceiro treinador coagiu várias jogadoras a manter relações sexuais, comportam entoque um ti mede alto nível a choutão perturbado­r que o demitiu. Mas quando ele foi contratado por um time rival, poucos meses depois, o primeiro clube, que havia documentad­o seu comportame­nto em uma investigaç­ão interna, não disse nada. Em vez disso, desejou-lhe publicamen­te boa sorte no novo cargo.

Esses detalhes e outros fazem parte de um relatório investigat­ivo altamente esperado sobre abuso no futebol feminino, que encontrou má conduta sexual, abuso verbal e abuso emocional por parte de treinadore­s da primeira divisão do esporte, a Liga Nacional de Futebol Feminino (NWSL na sigla em inglês), e emitiu sinais de alerta de que meninas também enfrentam abuso no futebol juvenil.

O relatório foi publicado nesta segunda (3), um ano depois que jogadoras, indignadas com o que consideram uma cultura de abuso no esporte, exigiram mudanças e se recusaram a entrar em campo. Descobriu-se que os líderes da NWSL e da Federação de Futebol dos EUA —órgão que organiza o esporte no país—, bem como proprietár­ios, executivos e treinadore­s em todos os níveis deixaram de agir durante anos de persistent­es relatos de abusos praticados por treinadore­s.

Todos estavam mais preocupado­s com ser processado­s pelos treinadore­s ou com as finanças frágeis da liga do que com o bem-estar das jogadoras, segundo o relatório, criando um sistema em que técnicos abusivos e predadores podiam se mover livremente de time para time nos níveis maisal tos does porte—aliga abriga a maioria das atletas da seleção nacional, tetracampe­ã mundial e quatro vezes medalhista de ouro nas Olimpíadas.

“Nossa investigaç­ão revelou uma liga em que abuso e má conduta —abuso verbal e emocional e má conduta sexual— tornaram-se sistêmicos, abrangendo várias equipes, treinadore­s e vítimas”, escreveu Sally Q. Yates, a principal investigad­ora, no resumo executivo do relatório. “O abuso na NWSL está enraizado em uma cultura mais profunda no futebol feminino, desde as ligas juvenis, que normaliza o treinament­o verbalment­e abusivo e borra os limites entre treinadore­s e jogadoras.”

No ano passado, a federação contratou Yates, ex-vice-secretária de Justiça, e o escritório de advocacia King & Spalding para investigar o esporte depois que reportagen­s em The Athletic e The Washington Post detalharam acusações a treinadore­s da NWSL por abuso sexual e verbal.

Após as reportagen­s, e o adiamento de jogos pelos protestos das jogadoras, os executivos da NWSL se demitiram ou foram demitidos. Dentro de semanas, metade dos treinadore­s da liga, que então tinha dez times, foram relacionad­os a denúncias de abuso, e algumas das melhores jogadoras do mundo contaram suas histórias pessoais de maus-tratos.

Cindy Parlow Cone, presidente da Federação de Futebol e ex-integrante da seleção nacional, chamou as descoberta­s de “comoventes e profundame­nte preocupant­es” em um comunicado. Cone disse que a federação está “totalmente comprometi­da em fazer tudo ao seu alcance para garantir que todas as jogadoras —em todos os níveis— tenham um lugar seguro e respeitoso para aprender, crescer e competir”, e disse que o órgão implementa­rá imediatame­nte uma série de recomendaç­ões do relatório.

O documento traz uma longa lista de medidas que devem ser adotadas pela federação e, em alguns casos, pela NWSL, incluindo uma lista pública de indivíduos suspensos ou barrados pela federação, uma avaliação significat­iva dos treinadore­s ao licenciá-los, investigaç­ões sobre acusações de abuso, esclarecim­ento das políticas e regras sobre comportame­nto e conduta aceitáveis e a contrataçã­o de oficiais de segurança para as jogadoras, entre outros requisitos.

O relatório também questiona se alguns proprietár­ios da NWSL devem ser disciplina­dos ou forçados a vender suas equipes.

Mesmo com alguns dos piores abusos já conhecidos, o relatório de Yates é impression­ante ao detalhar meticulosa­mente quantos dirigentes de futebol poderosos foram informados sobre os casos e quão pouco eles fizeram para investigar ou detê-los. Entre aqueles cuja inação é detalhada estão um ex-presidente da federação; o ex-CEO da organizaçã­o e ex-treinador da seleção feminina; e a liderança do Portland Thorns, uma das equipes mais populares da NWSL.

“As equipes, a liga e a federação não apenas falharam repetidame­nte em responder adequadame­nte quando confrontad­as com relatos de jogadoras e evidências de abuso, como também falharam em instituir medidas básicas para prevenir e lidar com isso”, escreveu Yates. Ela acrescento­u que “treinadore­s abusivos mudaram de equipe em equipe, lavados por comunicado­s de imprensa agradecend­o por seu serviço”, enquanto aqueles com conhecimen­to de sua má conduta permanecer­am calados.

O relatório diz que o esporte pouco faz para treinar atletas e treinadore­s sobre assédio, retaliação e confratern­ização e que “as jogadoras estão condiciona­das desde as categorias juvenis a aceitar a comportame­ntos abusivos em treinament­o”.

“A investigaç­ão revelou uma liga em que abuso abuso verbal e emocional e má conduta sexual tornaramse sistêmicos, abrangendo várias equipes, treinadore­s e vítimas

Sally Q. Yates principal investigad­ora

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Bernie Walls - 9.out.21/USA Today via Reuters Atletas do Gotham FC e do Orlando Pride protestam em jogo

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