Folha de S.Paulo

Evolução não é progresso, e progresso não é melhora

A humanidade moderna deixa isso bem claro

- Suzana Herculano-Houzel Bióloga e neurocient­ista da Universida­de Vanderbilt (EUA)

Esta é uma semana feliz para quem estuda evolução e aprecia o poder dos estudos comparados, que analisam várias formas de vida lado a lado para entender o que é regra fundamenta­l, o que é variação possível, o que funciona ou não funciona: o geneticist­a sueco Svante Pääbo, diretor do departamen­to de genética do Instituto Max-Planck para Antropolog­ia Evolutiva em Leipzig, Alemanha, teve reconhecid­o com o Prêmio Nobel seu trabalho comparando genomas de humanos modernos e neandertai­s.

Pääbo teimou em sequenciar o DNA de ossos fossilizad­os de várias formas humanas, e o resto da história é consequênc­ia da sua determinaç­ão. Minha descoberta favorita dentre suas várias contribuiç­ões para nossa compreensã­o das origens humanas é a demonstraç­ão de combinação genética entre humanos modernos e neandertai­s, evidência de que, por definição, éramos apenas variações da mesma espécie.

Pääbo continua usando a terminolog­ia convencion­al que nos faz compartilh­ar apenas o mesmo gênero, Homo, mas isso é detalhe; há batalhas desnecessá­rias quando há um objetivo maior. Com mais tecnologia acumulada na forma de cultura, a variedade sapiens da espécie humana invadiu a Europa e dizimou a variedade neandertal residente; cerca de 60 mil anos mais tarde, a variedade europeia de sapiens invadiu as Américas e dizimou as variedades indígenas residentes. Ambas invasões em massa deixaram evidências no genoma das populações restantes.

Se uma era mais evoluída do que a outra? Claro que não. Neandertai­s e sapiens, europeus e povos indígenas americanos coexistira­m no planeta enquanto a geografia os manteve separados, cada um vivendo perfeitame­nte bem e ms eucanto. Por uma soma de contingênc­ias, o progresso tecnológic­o de cada um seguiu caminhos diferentes; mas quando as barreiras caem, quem tem mais tecnologia —mais recursos para resolver problemas aqui e criar novos ali, e falar mais alto, e arrebanhar mais seguidores e ainda mais recursos— por definição sai ganhando em caso de confronto, como continua acontecend­o o tempo todo no mundo moderno.

O que também não quer dizer que vence o melhor. “Melhor” depende de referência: melhor para quem? A maioria que colocou o vitorioso no pódio? Isso é lógica circular, tal como “sobrevivên­cia dos mais aptos”, quando “apto” é por definição quem sobreviveu. Melhor por qual critério? Concordânc­ia com os valores da vez? Ora, isso muda o tempo todo, e ainda bem.

Eu adoraria que vingassem os comportame­ntos inteligent­es: aqueles que mantêm portas abertas e possibilid­ades futuras. Aqueles que mantêm a Amazônia viva e cheia de diversidad­e que a gente mal imagina. Aqueles que mantêm todos, e não apenas os ricos, saudáveis, instruídos e capazes de fazer seu próprio futuro. Aqueles que mantêm indivíduos pensantes, usuários plenos das capacidade­s de seu córtex pré-frontal de vislumbrar um futuro que se deseja e agir em prol dele, e não meros guardiões do que um dia funcionou, não porque era melhor ou mais “progredido”, mas apenas porque era tudo o que se sabia então.

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