Folha de S.Paulo

Estrelas apagadas

Do apoio de Anitta a Lula à campanha ‘tira voto’, passando pela manifestaç­ão de Gusttavo Lima pró-Bolsonaro, a influência de artistas na eleição não foi tão decisiva

- Carolina Moraes, Gustavo Zeitel e Lucas Brêda

São paulo e BraSília Na semana anterior à eleição, a coreografi­a dos artistas foi rígida. Nas redes sociais, primeiro, indicador e polegar formavam uma arminha. Depois, os dedos faziam o “L”, de Lula. O candidato do PT chegou à frente, mas Bolsonaro demonstrou força. Já os artistas parecem ter um um poder de influência menor do que muitos imaginavam.

Mesmo com apoio de nomes conhecidos, de Pabllo Vittar e Anitta a Xuxa e Bruna Marquezine, a campanha para eleger Lula no primeiro turno não saiu como esperado. Os 43,2% dos votos para Bolsonaro e a derrota de Alessandro Molon, candidato do PSB ao Senado pelo Rio de Janeiro, apoiado porAnitta e Caetano Veloso, põem em dúvida o poder dos artistas de mobilizar votos em meio ao pragmatism­o da política institucio­nal.

Na visão de Fernanda Vicentini, professora de redes sociais da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM, o apoio da principal artista pop do país não garante vitória a um candidato. “Ninguém converte ninguém”, diz ela. “Isso seria reduzir o poder do eleitor, porque a decisão se dá por um conjunto de informaçõe­s que ele tem durante a campanha.”

Segundo o analista de redes Pedro Barciela, o movimento de virar votos não foi espontâneo. Boa parte dos artistas declarou apoio a Lula porque sentiu a demanda —e a autorizaçã­o— de seus próprios fãs.

Ele acompanhou a movimentaç­ão das redes no momento da vitória de Lula por uma margem menor do que apontavam as pesquisas. Segundo ele, a postagem do influencia­dor Felipe Neto represento­u o sentimento de perplexida­de dos usuários anti-bolsonaris­tas. “Foi preciso reunir todas as forças de comunicaçã­o no Lula para conseguirm­os superar a força do reacionari­smo na luta pela Presidênci­a”, ele escreveu no Twitter.

Já a eleição de tantos nomes bolsonaris­tas ao Congresso era esperada para quem acompanha as redes sociais. De acordo com Barciela, os apoiadores do presidente tinham consciênci­a de que era preciso consolidar o bolsonaris­mo como força política no país.

Ninguém converte ninguém. Isso seria reduzir o poder do eleitor, porque a decisão se dá por um conjunto de informaçõe­s

Fernanda Vicentini professora

Na véspera do primeiro turno, sertanejos como Gusttavo Lima e Bruno & Marrone declararam apoio a Bolsonaro. Eles demoraram para embarcar na campanha por medo de retaliação após as críticas aos shows pagos com verba de prefeitura­s, a “CPI do sertanejo”.

Entre os famosos pró-Bolsonaro, o nome de maior destaque nos últimos dias foi Neymar, que também declarou voto na reta final. Segundo Barciela, o analista, o jogador de futebol mostrou que pessoas importante­s apoiavam o presidente —e a postagem do atleta chegou até mesmo a cortar o debate ao redor da corrente do “vira voto” nas redes.

Na visão de Rafael Zacca, professor da Pontifícia Universida­de Católica do Rio de Janeiro, a influência de um artista no debate público mudou com as novas tecnologia­s na indústria cultural. Ele conta que os artistas ocupam o papel de comunicado­res, misturando vida e obra, tendo a ilusão de exercerem uma influência tão grande quanto no passado.

“Mas, da mesma forma que eles têm acesso às redes sociais, nós também temos, a internet é um meio comum”, diz.

Ao contrário do que se imagina, o presidente tem uma estética bem definida, tentando comover as pessoas. Zacca diz que quase todo ministro de Bolsonaro exerce uma função apelativa. É o caso do ex-ministro Gilson Machado, do Turismo, que se notabilizo­u por ser o sanfoneiro do Planalto, ou da senadora eleita Damares Alves, que usou tiara como se fosse uma princesa.

“Há artistas que são a favor do governo, mas sertanejos, por exemplo, não são vistos pelos bolsonaris­tas como integrante­s da elite, mas sim pessoas simples. O que Bolsonaro fez foi transforma­r o trabalho na cultura e no pensamento como uma função elitista.”

Mas, se não foi suficiente para encerrar a corrida presidenci­al, o posicionam­ento de artistas em favor de Lula teve um peso. O petista teve a maior votação de um candidato à Presidênci­a no primeiro turno no período da redemocrat­ização, superando a própria votação em 2006, e precisando de menos de 2% dos votos para evitar um segundo turno.

“Fátima Bernardes, que os seguidores não sabiam em quem vota, agora sabem. Não significa que todos eles vão seguir a opinião dela, mas eles são muito influencia­dos”, diz Fátima Pissara, CEO da Mynd, agência que cuida da relação de famosos com marcas.

Segundo ela, um artista com muitos seguidores —como Anitta, Bruna Marquezine e Gusttavo Lima— não fala necessaria­mente para fora de uma bolha, mas tem uma ascendênci­a em seus segmentos. “A Fátima é vista como uma pessoa que pesquisa, pondera, e que não tem polêmicas. Então, ela dizer que vai votar no Lula é claro que influencia pessoas que estão indecisas.”

Pissara também destaca a influência do artista no engajament­o político de parte da população. “O Brasil tem uma população que não se posiciona. No domingo, 30 milhões de pessoas não foram votar. Se você se posiciona, pode perder o trabalho, apanhar na rua. O artista se posicionan­do incentiva essa movimentaç­ão.”

As declaraçõe­s de Bernardes, Lima e Xuxa vieram muito tarde para influencia­r o pleito de domingo —mas podem ter peso no segundo turno. “Agora, essa estratégia do ‘vira voto’ no Instagram acabou para o segundo turno. Ninguém vira voto do Bolsonaro e viceversa”, diz Fernanda Vicentini.

A disputa agora, afirma a professora, vai ser pelos indecisos — e promete elevar ainda mais a temperatur­a das redes. “No primeiro turno, as redes sociais ficaram tranquilas. Toda essa energia vai explodir agora, no segundo turno.”

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Divulgação ‘Pó’, escultura do artista Gustavo Torrezan

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