Folha de S.Paulo

Apoio da classe artística a Lula é menos influente do que esperado

Muitos eleitores ainda pensam que os famosos queiram votar no petista para viver ‘mamando nas tetas’ do governo

- Tony Goes

“A Fátima Bernardes virou o voto da minha mãe e da minha avó!” “Fátima virou os votos de todas as mulheres de meia-idade, agora vai dar Lula com 70%!” Mensagens como essas se espalharam pelo Twitter na tarde do último sábado, depois que a apresentad­ora Fátima Bernardes fez algo inédito em sua carreira —divulgou um vídeo explicando por que escolheu votar em Lula no primeiro turno.

Não foi a única. Angélica também declarou voto em Lula, para surpresa de muita gente —afinal, ela é casada com Luciano Huck, que já foi muito crítico ao ex-presidente. Xuxa foi outra. Ivete Sangalo também deixou de ser isentona e engrossou o coro de cantoras a favor do petista, ao lado de Anitta, Pabllo Vittar, Ludmilla, Duda Beat, Luísa Sonza e muitas outras.

Ciristas históricos, como Caetano Veloso, Tico Santa Cruz e Fábio Porchat, abandonara­m o candidato do PDT e aderiram ao voto útil em Lula, na tentativa de eleger o ex-presidente logo no primeiro turno.

Eles se juntaram a uma lista caudalosa de artistas, influencia­dores e jornalista­s, muito mais longa que a dos que apoiam a reeleição de Bolsonaro —Taís Araújo, Lázaro Ramos, Paolla Oliveira, Felipe Neto, Bruno Gagliasso, Camila Pitanga e até mesmo Marcelo Serrado, que foi um entusiasta da Operação Lava Jato quatro anos atrás.

Cada um desses nomes ganhou as manchetes na hora em que declarou o seu voto. Parecia que estava se formando um tsunami em favor do ex-presidente, capaz de convencero­sindecisos­eoseleitor­es de Ciro Gomes e Simone Tebet a votar em Lula.

Não foi bem isso o que aconteceu. Lula teve uma votação expressiva, mas insuficien­te para liquidar a fatura no primeiro turno —48,4% dos votos válidos, dentro da margem de erro dos principais institutos de pesquisa. As celebridad­es devem mesmo ter virado vários votos, mas não o bastante.

Porque existe um público imenso que não só resiste a elas como também, aparenteme­nte, aos fatos. Jair Bolsonaro teve 43,2% dos votos válidos, muito mais do que o previsto. Em termos numéricos, recebeu mais votos do que no primeiro turno de 2018 —ganhou eleitores, mesmo tendo atrasado a compra de vacinas e trazido o Brasil de volta ao mapa da fome.

Esse resultado leva a duas conclusões. A primeira é que a ideologia, pelo menos neste momento, é mais forte do que a realidade. A luta entre o bem e o mal parece ter repercutid­o muito mais entre boa parte do eleitorado do que dados concretos como a inflação e as mortes na pandemia.

A segunda é que a classe artística tem muito menos influência do que aparentava ter. Muitos eleitores acreditam que quase todos os artistas queiram viver pendurados nas tetas do governo, uma campanha de desinforma­ção muito bem-sucedida.

O poder de convencime­nto dos famosos também empalidece se comparado ao das igrejas evangélica­s. Ainda não há pesquisas sobre o assunto, mas o senso comum indica que a adesão incondicio­nal de muitas denominaçõ­es religiosas ao bolsonaris­mo foi crucial para o bom desempenho do presidente.

Agora teremos segundo turno, e é de se esperar que ainda mais artistas se engajem na campanha de Lula. Outros tantos declararão apoio a Bolsonaro. Mesmo assim, é para lá de duvidoso que qualquer um deles faça alguma diferença. Agora ficou claro que até mesmo o poder de convencime­nto da classe artística é relativame­nte limitado. O Brasil mudou, e ainda não sabemos direito para onde.

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