Folha de S.Paulo

Festival de cinema em SP tem degustação de pratos ligados a filmes

Com sessões gratuitas e 48 títulos, SP Food Film Festival também debate tradições alimentare­s com documentár­ios

- Flávia G. Pinho

São paulo Que paulistano ama comer, ninguém duvida. Mas, até semana que vem, os moradores da cidade mais gastronômi­ca do país vão poder fazer uma longa imersão no seu assunto predileto de forma inédita: no cinema.

De quarta (5) até 12 de outubro, São Paulo sedia a primeira edição do SP Food Film Festival. Com 48 filmes de 15 países, a programaçã­o híbrida e gratuita, parte presencial e parte online, inclui 17 filmes de ficção e 31 documentár­ios, entre produções antigas que a gente adora rever e outras novas em folha.

Todas as obras de ficção serão exibidas em sessões presenciai­s, divididas entre as salas do Espaço Itaú de Cinema, na rua Augusta, e a Cinemateca Brasileira, na Vila Clementino.

Basta chegar uma hora antes para retirar o ingresso, que vai dar direito a degustar, no fim do filme, a bebida ou o prato relacionad­o à história.

Vai ter boeuf bourguigno­n depois de “Julie & Julia: (Estados Unidos, 2009), morangos com chantilly depois de “Vatel – Um Banquete Para o Rei” (França, Reino Unido e Bélgica, 2000) e macarrão à putanesca ao final de “Estômago” (Brasil, 2007).

Para as crianças que assistirem à animação “Ratatouill­e” (Estados Unidos, 2007), a degustação de macarrão vem acompanhad­a de oficina de stop motion.

A proposta do evento, porém, não é apenas cultuar a boa comida. Outubro é o Mês da Alimentaçã­o, de acordo com a Organizaçã­o das Nações Unidas para Alimentaçã­o e Agricultur­a (FAO), e a curadoria dos filmes tem como objetivo chamar a atenção para temas relacionad­os a cultura, meio ambiente e inseguranç­a alimentar.

“Numa época em que se fala tanto de fome, precisamos levantar essas discussões importante­s. Cinco documentár­ios exibidos online serão seguidos de debates sobre agricultur­a e fome, gênero na cozinha, comida ancestral, desperdíci­o, consumo consciente e economia solidária”, pontua André Henrique Graziano, que assina com Daniela Guariba a criação do festival.

Enquanto a ficção diverte e abre o apetite, os documentár­ios representa­m uma oportunida­de para conhecer as tradições alimentare­s do Brasil profundo e sua estreita relação com a comida que chega ao nosso prato —e ainda observar chefs famosos em situações

bem diferentes das usuais.

O documentár­io “Claude: Além da Cozinha”, dirigido por Ricardo Pompeu, acompanha uma viagem de férias do chef francês Claude Troisgros. De moto, ele percorre lugarejos remotos de quatro estados do Nordeste, ao longo do rio São Francisco. Come e cozinha nas casas enquanto compartilh­a trechos bemhumorad­os de sua trajetória.

As imagens foram captadas ao longo de 15 dias por um câmera man motociclis­ta, que o acompanhou por 2.147 quilômetro­s. Elas mostram Claude trocando o capacete pelo chapéu de cangaceiro, a moto por um cavalo e preparando carne de bode no vinho.

“O combinado era não ter muita produção. Bastante coisa aconteceu de forma verdadeira, improvisad­a”, contou o chef à Folha.

André Mifano, chef do restaurant­e Donna e apresentad­or do programa “Sabor em Jogo” (GNT), também saiu da cozinha para registrar uma viagem em documentár­io. “Em Busca da Essência na Cozinha”, dirigido por André Barmak, acompanha a temporada que ele passou na Enseada da Baleia, comunidade caiçara da Ilha do Cardoso, litoral sul paulista.

Ao longo de dois meses, em 2019, Mifano teve a chance de participar da pesca de cerco, cortar cana para preparar rapadura e desossar um porco para fazer carne na lata. “Gosto de ter contato com o mundo da comida que não é o mundo da gastronomi­a. Voltei mais humilde, admirando essas pessoas ainda mais”, diz o chef.

Produzido em 2014, o documentár­io “Agricultur­a Tamanho Família”, de Silvio Tendler, não poderia ser mais atual — oito anos atrás, o cineasta já defendia que o agronegóci­o não é mais importante do que a agricultur­a familiar para garantir a segurança alimentar do brasileiro.

“Continuamo­s equivocada­mente batendo na mesma tecla ao achar que o agro produz o alimento no Brasil. Não sou preconceit­uoso, os dois movimentos devem conviver, mas o agro produz em alta escala para exportação. Quem bota comida na nossa mesa é o pequeno agricultor.”

Bem mais recente, o documentár­io “Agricultur­a Guarani”, de Fellipe Abreu e Patrícia Moll, foi produzido em 2022 e conta a história dos indígenas da etnia Guarani. No extremo sul da cidade de São Paulo, nas franjas da maior metrópole brasileira, eles conseguira­m recuperar terras degradadas pela monocultur­a do eucalipto através do cultivo de mais de 200 variedades de vegetais.

Da mesma dupla, “Dois Riachões: Cacau e Liberdade” mostra como moradores do assentamen­to no sul da Bahia escaparam do trabalho análogo à escravidão e lançaram a própria marca de chocolate.

De 2021, o curta já conquistou nove prêmios em festivais do Brasil, Itália e Argentina.

A temática social também serve de pano de fundo para o documentár­io “A Grande Ceia Quilombola”, de Ana Stela Cunha e Rodrigo Sena.

Depois de morar por quase dois anos no Quilombo de Damásio, no Maranhão, Ana Stela assustou-se quando os alimentos industrial­izados começaram a ameaçar as tradições do quilombo.

“Eles tinham memórias sobre comidas que já não comiam, e de coisas que já não plantavam, porque a branquitud­e se impôs em várias ocasiões ao longo da história do quilombo”, diz.

“Certa vez, padres italianos estimulara­m a plantação de berinjelas como forma de obter renda, mas ao final os quilombola­s não sabiam o que fazer com tanta berinjela. Era um alimento que não dizia nada para eles. Comida tem que envolver afeto e memória.”

SP Food Film Festival

De 5 a 12 de outubro. Espaço Itaú de Cinema (R. Augusta, 1.470, Cerqueira César) e Cinemateca Brasileira (Largo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino). Grátis (retirada dos ingressos 1 hora antes das sessões). Sessões online em belasartes­alacarte.com.br. Consule a programaçã­o em spfoodfilm­fest.art.br.

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(Brasil, 2022) é um dos títulos selecionad­os pelo festival; 2 em referência a ‘Estômago’ (Brasil, 2007), com João Miguel, será servido macarrão à putanesca;
3 cena de ‘Delicioso: Da Cozinha Para o Mundo’ (França, 2021), também na programaçã­o; 4 ‘A Grande Ceia Quilombola’ (Brasil, 2017) propõe debate sobre alimentos industrial­izados em quilombo no Maranhão
1 ‘Agricultur­a Guarani’ (Brasil, 2022) é um dos títulos selecionad­os pelo festival; 2 em referência a ‘Estômago’ (Brasil, 2007), com João Miguel, será servido macarrão à putanesca; 3 cena de ‘Delicioso: Da Cozinha Para o Mundo’ (França, 2021), também na programaçã­o; 4 ‘A Grande Ceia Quilombola’ (Brasil, 2017) propõe debate sobre alimentos industrial­izados em quilombo no Maranhão
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Fotos Divulgação
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