Folha de S.Paulo

Vermelho vira queridinho ao levar excitação do sexo à moda

Cor do perigo, da sorte e da bruxaria é retomada com força nas passarelas, evocando Mark Rothko e os dadaístas

- Rosanna Dodds

FINANCIAL TIMES Os primeiros indícios da tendência foram os sinais precursore­s do outono —folhas avermelhad­as, cogumelos de cabeça vermelha e uma cerca viva cheia de amoras cor de granada. Depois vieram um batom Ruby Woo, o farfalhar de um vestido Dior escarlate e os saltos plataforma cor de carmim da Versace.

O vermelho, símbolo milenar da mudança de estações do ano, está de volta, tanto em nossos guarda-roupas quanto no mundo natural.

A cor vermelha sempre foi onipresent­e, mas sua prevalênci­a nas passarelas dos desfiles do outono- inverno de 2022 aponta para uma nova era de primazia no mundo da moda. De acordo com o motor de buscas de moda Tagwalk, o número total de looks vermelho aumentou 90% em relação ao ano passado e as buscas pela cor subiram 88%.

Clare Coulson, estrategis­ta de cores na empresa de previsão de tendências WGSN, atribui a fixação atual pelo vermelho a uma ânsia por uma nova sensação de felicidade. Segundo ela, o vermelho vivo, em especial, eleva nossa frequência cardíaca e pode induzir uma sensação de excitação.

Em Milão, a grife Dolce & Gabbana levou o vermelho para o futuro, apresentan­do uma paisagem virtual feita de luzes neon, arranha-céus majestosos e avatares esguios.

Usando referência­s de videogames —quem já não se encantou com as colaboraçõ­es do Fortnite com a Balenciaga ou a Moncler?—, a grife lançou mão do látex carmim e do couro vermelho texturizad­o para acentuar as silhuetas de ombros bem marcados. Até o convite chegou numa caixa vermelha lustrosa contendo cinta-liga e meias.

Afinal, qual é a conotação mais antiga do vermelho? O sexo. Como observa Valerie Steele, diretora do Museum at FIT e autora de “The Red Dress”, ou o vestido vermelho, esse tipo de simbolismo representa uma faca de dois gumes. “Há uma abundância de ideias negativas sobre o vermelho em conexão com a sexualidad­e feminina”, afirma. “A paixão é uma coisa desejável, porém perigosa.”

A decisão de abraçar esse perigo pode ser libertador­a —veja a coleção Vamp, da Versace, que, de vestidos de espartilho vermelhos vivos com detalhes transparen­tes e babados sexy, parte de um esforço maior de encarnar uma atitude de nova geração.

Mas também pode ser aviltante. Na seminal coleção Joan, de Alexander McQueen, em 1998, feita de paetês, alfaiatari­a e rendas vermelho-sangue, o estilista mostrou seu look final dentro de um círculo de fogo, em referência à execução de Joana d’Arc —na cultura ocidental, o vermelho foi no passado sinônimo de pecado, bruxaria e heresia.

A influência de McQueen esteve visível no show mais recente promovido pela grife italiana Act Nº 1, em que uma modelo emergiu coberta de tinta vermelha dos pés à cabeça. Luca Lin e Galib Gassanoff, os fundadores da grife, descrevera­m o look como o nascimento de uma nova raça.

Outros lugares em que você pode curtir o vermelho —nas pinturas de Reginald Sylvester 2º, que remetem a Rothko e estão expostas no momento no Harvey B Gantt Centre for African-American Arts + Culture; na faixa de cabeça de Chloe Kelly, autora do gol da vitória da Inglaterra na final do torneio de futebol feminino Euro 2022; e no vestido estilo camponesa de Pearl, a protagonis­ta de machadinha que dá nome ao novo filme de terror de Ti West.

Usado pela atriz Mia Goth, não é muito diferente dos estilos carmesim com babados de Molly Goddard, que encerrou seu desfile com um par de botas escarlates com cadarços.

Ian Griffiths, diretor-criativo da grife italiana Max Mara, também buscou inspiraçõe­s no mundo das artes, desta vez na paleta da artista suíça Sophie Taeuber-Arp.

Fortemente ligada ao dadaísmo, que começou durante a Primeira Guerra Mundial, Taeuber-Arp utilizou o vermelho para acentuar as linhas de suas composiçõe­s geométrica­s em que a lógica e a ordem funcionara­m como um protesto contra a falta de sentido presente na guerra.

Griffiths seguiu a inspiração da artista com formas e cores elegantes e vestíveis pontuadas por três composiçõe­s totalmente vermelhas, incluindo um vestido longo de malha com gorro ninja. “O vermelho é puro, absoluto e se impõe”, ele afirma.

É claro que o mestre do vermelho é Valentino Garavani, que ficou fascinado com a cor depois de ver os figurinos escarlates da ópera “Carmen”, encenada em Barcelona.

“O vermelho é meu amuleto da sorte”, ele disse certa vez, aludindo ao modo como a cor é vista na China, onde há séculos o vermelho simboliza a sorte e a prosperida­de. Valentino pegou o vermelho e criou um novo uniforme para mulheres em todo o mundo, num legado ao qual o diretor criativo atual Pierpaolo Piccioli vem dando continuida­de.

Em sua coleção de alta-costura de outono —102 looks dedicados à história da maison—, um motivo recorrente foi uma rosa gigante de tafetá que enfeitou tudo, de vestidos a camisas. Como símbolo, ela traz beleza, paixão —e um pouco de perigo. É toda vermelha.

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Susana Vera/Reuters Modelo em desfile da grife Redondo em Madri
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Emmanuel Dunand/AFP Modelos exibem look Valentino no desfile primavera-verão 2023

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