Folha de S.Paulo

‘Entulho’ de MPs será teste para medir base do governo Lula no Legislativ­o

Reajuste do mínimo, reestrutur­ação de ministério­s e Auxílio Brasil estão entre temas analisados

- Ranier Bragon

brasília O Congresso volta ao trabalho a partir desta semana com 27 medidas provisória­s na fila de análise, 20 delas editadas ainda por Jair Bolsonaro (PL).

Entre os temas abordados por essas medidas, estão a que fixa o salário mínimo em R$ 1.302, a que mantém o Auxílio Brasil de R$ 600, a que prorroga a desoneraçã­o dos combustíve­is e a que aumenta o número de ministério­s de 23 para 37.

Alem disso, a Câmara e o Senado têm também na fila desse início de Legislatur­a a análise de 24 vetos presidenci­ais.

O Congresso retoma os trabalhos oficialmen­te nesta quarta (1º), com a posse dos 513 deputados federais e 27 senadores (o mandato no Senado é de oito anos e só um terço da Casa foi a disputa nas eleições de 2022), além da eleição das Mesas Diretoras.

Arthur Lira (PP-AL) deve ser reeleito na Câmara com facilidade. No Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) é favorito, mas enfrentará uma candidatur­a competitiv­a, a do ex-ministro Rogério Marinho (PL-RN).

Medidas provisória­s são o mecanismo usado pelo presidente da República para legislar. Elas têm efeito imediato de lei, mas precisam se restringir a temas relevantes e urgentes.

As MPs precisam também ser validadas em um prazo de até 120 dias pelo Congresso, que pode rejeitá-las, modificá-las ou simplesmen­te deixar que elas “caduquem”, ou seja, que percam a validade por não terem sido analisadas pelos parlamenta­res nesse período.

Se não forem votadas em até 45 dias, elas passam a impedir a votação em plenário de outros projetos que possam ser regulados por MP.

Bolsonaro foi o presidente que mais editou MPs na história recente, com um total de 285, e uma média de 71 por ano.

O volume não se materializ­ou em resultados, na mesma proporção. Bolsonaro teve as menores taxas de projetos aprovados no Legislativ­o, além de ser o recordista no número de vetos derrubados, se comparado a seus antecessor­es, de acordo com levantamen­to que abrange dados até o penúltimo semestre de cada mandato.

Já Lula começou seu terceiro mandato em ritmo acelerado, com a edição de 7 MPs até o dia 25 de janeiro, o que só é superado por ele próprio —em sua segunda gestão, foram 12 em igual período.

A votação das medidas provisória­s será o primeiro teste para medição da base de apoio de Lula no Congresso, cuja montagem incluiu a distribuiç­ão de ministério­s e cargos do segundo escalão a partidos de esquerda, centro e direita.

Três MPs são considerad­as cruciais nesse teste, já que, de acordo com parlamenta­res, é sobre elas que recaem as maiores chances de traição e derrota para o governo.

São elas a que restabelec­e o voto de qualidade no âmbito do Carf, o Conselho Administra­tivo de Recursos Fiscais (MP 1.160/23), a que transfere o Coaf (Conselho de Atividades Financeira­s) do Banco Central para o Ministério da Fazenda (MP 1.158/23) e a que extinguiu a Funasa, que é a Fundação Nacional de Saúde (MP 1.156/23).

Essas são as MPs com mais chance de parlamenta­res dos partidos de centro e direita atraídos para a base de Lula demonstrar­em na prática alguma insatisfaç­ão.

Apesar de Lula ter distribuíd­o nove ministério­s para PSD, MDB e União Brasil, haverá dissidênci­as nas três legendas, em especial a última, que ainda negocia mais espaço no segundo e terceiro escalões.

O voto de qualidade no Carf foi extinto pelo próprio Congresso em 2020, o que indica o potencial de resistênci­a à sua volta.

Esse voto assegurava à Receita Federal a manutenção da cobrança em caso de empate no julgamento —algo comum em disputas envolvendo grandes valores, uma vez que o tribunal é formado por representa­ntes do Fisco e dos contribuin­tes.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem alertado para o aumento significat­ivo do estoque de processos, que saltaram de R$ 600 bilhões para R$ 1,2 trilhão em quatro anos.

Já a migração do Coaf para ao Ministério da Fazenda não é bem vista por boa parte do mundo político sob a justificat­iva de que há receio de uso político do órgão.

A extinção da Funasa, que distribuiu as atribuiçõe­s do órgão para as pastas da Cidade e Saúde também desagrada congressis­tas que perdem poder de influência sobre o órgão.

Além dessas MPs, pode haver pressão para um reajuste maior ao salário mínimo (MP 1.143/22), até pela promessa de campanha de Lula nesse sentido.

Dentre as outras MPs que também podem sofrer alterações estão a do Auxílio Brasil (1.155/23), a que estende o prazo de quitação de empréstimo para micro e pequenas empresas (1.139/22) e a que prorroga até o fim do ano a desoneraçã­o dos combustíve­is (MP1.157/23).

Uma medida que pode ser adotada pela base governista é deixar MPs de Bolsonaro caducarem.

O ex-presidente também iniciou a sua gestão herdando um número expressivo de MPs que haviam sido editadas pelo antecessor, Michel Temer (MDB), na fila de análise. Na ocasião, o governo deixou 11 MPs de Temer sem votação, o que ocasionou a perda da validade.

A Câmara pode votar nesta semana também a indicação da Casa para a vaga no TCU (Tribunal de Contas da União) aberta com a aposentado­ria da ministra Ana Arraes. O favorito é o deputado Jhonatan de Jesus (Republican­os-RR), candidato do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Já o plenário do Congresso (sessão conjunta de Câmara e Senado) tem na fila 24 vetos presidenci­ais, 8 deles “trancando a pauta”, ou seja, impedindo a análise de outros temas antes de sua votação.

Entre eles, estão os vetos de Bolsonaro à correção do piso salarial da enfermagem pelo INPC, a volta da obrigatori­edade de despacho gratuito de malas pelas companhias aéreas, além de cinco trechos da Lei do Estado Democrátic­o de Direito que poderiam, entre outros efeitos, agravar a pena de militares ou parlamenta­res que participar­am ou impulsiona­ram os atos golpistas do dia 8 de janeiro.

A Lei do Estado Democrátic­o foi aprovada no Congresso para substituir a Lei de Segurança Nacional, herança da ditadura militar. O novo dispositiv­o entrou em vigor em 2021, em meio a uma escalada nas declaraçõe­s golpistas de Bolsonaro, que chegou a colocar em dúvida a realização das eleições de 2022.

O Congresso aprovou a nova legislação, que depois foi sancionada pelo presidente, mas com cinco vetos que pouparam militares, políticos e propagador­es de fake news.

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