Folha de S.Paulo

Congresso já teve eleições conturbada­s e marcadas por traições

- Ranier Bragon

brasília “Governo enfrenta pesadelo e traição na noite dos severinos”.

A Folha noticiou dessa forma o resultado mais surpreende­nte de uma eleição para a presidênci­a da Câmara dos Deputados, a vitória em 2005 do rei do baixo clero Severino Cavalcanti (PP-PE) sobre o candidato governista Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP).

Fruto em grande parte de uma divisão interna no PT, que teve Virgílio Guimarães (MG) como candidato dissidente, a vitória de Severino por 300 votos a 195 ocorreu mesmo com a então base de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contando formalment­e com 377 deputados.

Foi a noite das facadas, como definiu um deputado, em sessão que durou mais de 12 horas, iniciando-se às 18h e terminando às 6h38 do dia seguinte.

Severino Cavalcanti era conhecido como rei do baixo clero —nome de parlamenta­res sem nenhuma expressão política nacional— não só por integrar o grupo, mas por militar abertament­e por aumento de privilégio­s dos deputados.

Ele inspirava poucas chances de vitória, tanto que as principais apostas entre os políticos eram Greenhalgh, o favorito, o dissidente Virgílio Guimarães e o deputado José Carlos Aleluia (BA), do ainda importante PFL (depois DEM, hoje União Brasil), uma das principais siglas da oposição à época.

No primeiro turno da disputa, as urnas do escrutínio secreto deram a Greenhalgh 207 votos (a expectativ­a governista era de 270), e a Virgílio, 117, mas este acabou superado em 7 votos por Severino, que ficou com 124. Aleluia teve 53.

Outro nome do baixo clero, que faria história mais de uma década depois, Jair Bolsonaro (PFL-RJ) também foi candidato e teve apenas 2 votos.

Com isso, um desmoraliz­ado Greenhalgh foi para o segundo turno com Severino e acabou atropelado. O petista, inclusive, perdeu 12 votos entre o primeiro e o segundo escrutínio e acabou com apenas 195.

Severino subiu aos “píncaros da glória”, como ele definiu, mas sua gestão durou só cerca de sete meses. Ele acabou renunciand­o ao cargo e ao mandato sob suspeitas de que recebia “mensalinho” de um fornecedor da Câmara. Severino morreu em 2020, aos 89 anos.

Embora bem mais previsível, tal situação só se repetiria na Câmara dez anos depois, também tendo como vítima o PT, na ocasião da vitória de Eduardo Cunha (MDB-RJ) sobre o candidato de Dilma Rousseff (PT), Arlindo Chinaglia (PT-SP), em 2015.

As eleições do azarão Severino e do opositor Cunha integram o rol das disputas mais acirradas para o comando da Câmara.

Antes deles, Aécio Neves (PSDB-MG) e Inocêncio Oliveira (PFL-PE) também protagoniz­aram um racha na base governista de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2001. O mineiro acabou levando a melhor, encerrando o revezament­o que PMDB e PFL faziam na cadeira desde a redemocrat­ização.

No Senado, a disputa que mais moveu paixões e ódios em Brasília foi entre Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Jader Barbalho (PMDB-PA), em 2001.

Os dois caciques tentaram destruir politicame­nte um ao outro, o que incluía distribuiç­ão de dossiês e acusações mútuas de corrupção. Em poucos meses, ambos atingiram seus objetivos.

ACM foi um dos principais políticos brasileiro­s do século passado e início do atual.

Governador da Bahia, ministro e presidente do Senado por quatro anos, “Toninho Malvadeza”, como era apelidado, tentou emplacar um aliado como sucessor em 2001, mas foi derrotado pelo peemedebis­ta, que obteve 41 dos 81 votos.

ACM entregou a presidênci­a ao oponente sem cumpriment­á-lo e desceu a mesa do Senado do lado oposto ao que Jader subia.

Enquanto o peemedebis­ta pregava necessidad­e de restabelec­er o clima de cordialida­de no Senado, o cacique baiano não escondia a insatisfaç­ão do lado de fora. “É o pior presidente que poderiam ter escolhido.”

Cerca de três meses depois, ACM renunciava ao mandato para escapar da cassação certa por ter participad­o da violação do painel eletrônico do Senado na votação secreta da cassação do então senador Luiz Estevão (PMDB-DF), no ano anterior.

Jader não teve melhor sorte. Antes do fim de 2001 renunciou à presidênci­a do Senado e ao mandato também para escapar da cassação em decorrênci­a das suspeitas de desvio de recursos da Sudam e de outros órgãos públicos, acusações que ganharam impulso a partir de ACM.

O baiano morreu em 2007, aos 79 anos.

Jader, que hoje tem 78 anos, concorreu e foi eleito deputado federal em 2002 e 2006 e, em 2010, voltou ao Senado, sendo reeleito em 2018. Atualmente um filho seu, Helder, governa o Pará. Outro, Jader Filho, é ministro das Cidades.

Câmara e Senado abrigam nesta quarta-feira (1º) mais uma vez a eleição para os cargos de comando do Congresso Nacional, com mandato até o final de janeiro de 2025.

O atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem praticamen­te a reeleição assegurada já que conta com o apoio do centrão, da esquerda e da oposição.

No Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) também é favorito, mas enfrenta um concorrent­e de maior peso, o ex-ministro Rogério Marinho (PL-RN).

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Beto Barata - 6.dez.00/Folhapress 1
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1 Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho, rivais na disputa pela presidênci­a do Senado em 2000; 2 Severino Cavalcanti (ao centro, de braços erguidos) comemora a vitória na eleição para a presidênci­a da Câmara dos Deputados em 2005; 3 Luiz Eduardo Greenhalgh acompanha a apuração da eleição para a presidênci­a da Câmara, perdida para Severino Cavalcanti
Ueslei Marcelino - 15.fev.05/Folhapress 3 1 Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho, rivais na disputa pela presidênci­a do Senado em 2000; 2 Severino Cavalcanti (ao centro, de braços erguidos) comemora a vitória na eleição para a presidênci­a da Câmara dos Deputados em 2005; 3 Luiz Eduardo Greenhalgh acompanha a apuração da eleição para a presidênci­a da Câmara, perdida para Severino Cavalcanti
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Sérgio Lima - 15.fev.05/Folhapress 2

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