Folha de S.Paulo

Pacto sinistro

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

É ético fazer um acordo com o diabo? E com Mefistófel­es? Adolf Hitler? Franco? Brilhante Ustra? Al Capone? Marcola? Eduardo Cunha? Arthur Lira?

O leitor sagaz já deve ter adivinhado aonde quero chegar. Em política, transforma­r princípios morais em valores absolutos tende a ser perigoso. Pode levar tanto ao isolacioni­smo (eu não negocio nem com A, nem com B, nem com Z) como ao fanatismo (para impor a fé verdadeira, eu esmago quem estiver no caminho). Do outro lado, ignorar por completo consideraç­ões morais também traz riscos. Perder a capacidade de distinguir entre o certo e o errado é um deles. Existe uma linha intermediá­ria justa? Onde ela se situa?

Em breve, Arthur Lira será sagrado presidente da Câmara para um segundo período. E sua votação deve ser avassalado­ra, já que ele conta com o apoio de quase todos os partidos, do PT de Lula ao PL de Bolsonaro. O otimista poderia ver aí um raro consenso democrátic­o. Sou mais pessimista. Para mim, a recondução do deputado alagoano representa um ponto falho do sistema de freios e contrapeso­s.

Lira, afinal, está sendo recompensa­do com um novo termo, quando, no meu modo de ler o mundo, deveria ser punido por dois grandes desserviço­s que prestou à democracia e ao país. Ele foi um aliado quase incondicio­nal de Jair Bolsonaro, a quem blindou de responder no Parlamento por vários crimes de responsabi­lidade de que foi acusado. Ele também concebeu e executou o chamado orçamento secreto, que desequilib­rou bastante a relação entre os Poderes.

Lira consegue driblar Thémis, a deusa da justiça, porque é o favorito dos deputados do centrão, a quem confere mimos variados, e, mesmo para Lula, que não é exatamente kantiano, e a base mais à esquerda, representa opção preferível a um cenário de guerra intestina entre Legislativ­o e Executivo.

A política é a arte de fazer desidérios éticos caberem nos chamados imperativo­s da realidade.

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