Folha de S.Paulo

Tudo em família

Ministros afrontam o espírito republican­o ao indicarem esposas a cargos em tribunais de contas

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Três ministros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que até há pouco eram governador­es, instalaram, ou estão tentando instalar, suas mulheres em vagas de conselheir­o do tribunal de contas de suas unidades federativa­s.

O “esposismo”, como se pode chamar esse modo de nepotismo, tem razão de ser. O cargo de conselheir­o —ao qual se chega por indicação, após sabatina e aprovação pela Assembleia Legislativ­a— é vitalício e oferece rendimento­s próximos aos do teto do funcionali­smo estadual, fora outras regalias.

Os três ministros são Renan Filho (MDB), dos Transporte­s, que colocou sua mulher, Renata Calheiros, no Tribunal de Contas do Estado de Alagoas; Wellington Dias (PT), do Desenvolvi­mento Social, que pôs Rejane Dias no TCE do Piauí; e Rui Costa (PT), da Casa Civil, que está empenhado em levar Aline Peixoto, ao TCE da Bahia.

Embora legais, essas nomeações são condenávei­s em vários sentidos. Em primeiro lugar, constituem gesto explícito de autofavore­cimento. Os ex-governador­es utilizam seu prestígio para aumentar a própria renda doméstica. Políticos pautados pelo espírito republican­o deveriam ter vergonha de até tentar algo semelhante.

Em segundo lugar, esse tipo de indicação priva os tribunais de recrutar como conselheir­os quadros com melhor capacitaçã­o técnica. Ao que consta, nenhuma das três esposas tem grande experiênci­a no controle de contas públicas. Calheiros e Dias são formadas em administra­ção, e Peixoto é enfermeira.

O fato é que os postos de conselheir­o são atrativos demais. Mesmo quando políticos não tentam entregá-los a parentes, oferecem a colegas que ficaram sem mandato ou enfrentam dificuldad­es para a reeleição. São necessária­s, portanto, mudanças nas regras de condução dos tribunais de contas —da União, de estados e de municípios.

Uma possibilid­ade seria vetar a indicação de parentes de políticos no poder ou dele recém-saídos. Nem sempre funciona, como no nepotismo cruzado (quando um juiz ou político dá emprego ao parente do colega em troca de igual tratamento para o seu).

Parece mais lógico aprofundar a tendência esboçada na Constituiç­ão de 1988: exigir qualificaç­ão técnica dos candidatos a conselheir­os. No limite, cobrar não apenas formação em área afim, mas também alguns anos de experiênci­a em função correlata —similar ao disposto na Lei das Estatais.

No regime republican­o, é inaceitáve­l que vagas de conselheir­os sejam usadas para dar emprego e renda a parentes de políticos.

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