Folha de S.Paulo

Somos uma vergonha

- Mariliz Pereira Jorge

Mariana, Brumadinho, Ninho do Urubu, Bateau Mouche, desastre da TAM (2007), soterramen­tos na região serrana do Rio (2011), boate Kiss. A lista é grande, mas são bons exemplos de que a impunidade reina no Brasil. Morosidade da Justiça, casos encerrados, poucas indenizaçõ­es, nenhum culpado. O que temos é o esquecimen­to.

O incêndio criminoso da boate só voltou ao noticiário na última semana ao ser relembrado pelo lançamento de uma série de ficção baseada no livro “Todo Dia a Mesma Noite”, da jornalista Daniela Arbex. Dez anos depois, 242 pessoas mortas, nenhum preso. É revoltante que essas “tragédias” fiquem no passado porque são substituíd­as por outras.

Assisti de uma tacada aos cinco episódios produzidos pela Netflix. É difícil passar por qualquer um deles sem chorar. Para uma guria como eu, criada numa cidade universitá­ria, foi especialme­nte doloroso me identifica­r com os jovens que perderam suas vidas e com famílias tão parecidas com as minhas. O choque de gerações, o sonho de trocar o interior pelo mundo, quebras de expectativ­as paternas. Tudo consumido pelas chamas.

Santa Maria (RS), assim como Ponta Grossa (PR), onde vivi até terminar a faculdade, é parecida com dezenas de lugares no Brasil que atraem jovens por causa de suas universida­des. Parte da vida da comunidade gira em torno do calendário acadêmico, onde todos se conhecem, se esbarram, frequentam os mesmos poucos lugares, como a própria Kiss. É possível dizer que todo santa-mariense tivesse algum conhecido morto no incêndio de 27 de janeiro de 2013.

Agora, as famílias se dividem sobre a produção da série. Algumas avaliam entrar na Justiça por não terem sido consultada­s e pela comerciali­zação da tragédia. Estão em seu direito. O fato é que os 242 mortos têm sido lembrados, antes de que o crime caia novamente no esquecimen­to e continue na lista dos casos de impunidade. Somos uma vergonha.

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