Folha de S.Paulo

Novo transporte público do Brasil precisa sair do papel

Afetado pela pandemia, setor é prioridade na gestão da mobilidade urbana

- Francisco Christovam Presidente-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transporte­s Urbanos (NTU)

[ Sistemas BRT, corredores e faixas exclusivas têm grande potencial para aumentar a velocidade operaciona­l, reduzir custos e tempos de viagens, atrair novos passageiro­s e, consequent­emente, diminuir congestion­amentos, acidentes e emissão de gases poluentes

No novo cenário político, temas cruciais à retomada do cresciment­o econômico do país e à solução de grandes gargalos em serviços essenciais não podem ser esquecidos. Especialme­nte quando o assunto diz respeito ao transporte público por ônibus urbano, responsáve­l por 85,7% das viagens de transporte coletivo realizadas no país —um serviço essencial que viabiliza todas as demais atividades econômicas e garante a qualidade de vida nas cidades.

Infelizmen­te, o transporte público ainda é fonte de insatisfaç­ão popular, de queixas da sociedade e de críticas dos formadores de opinião. No entanto, o setor já tem propostas de reestrutur­ação total do serviço. No decorrer de 2022, uma proposta para o novo marco legal do transporte público, caminho para a superação dos desafios históricos do setor, foi elaborada no âmbito do Fórum Consultivo de Mobilidade Urbana, instância ligada ao então Ministério do Desenvolvi­mento Regional e que reúne especialis­tas em mobilidade urbana, entidades civis e representa­ntes do poder público. Há também uma proposta de iniciativa do Legislativ­o, o projeto de lei 3278/2021, de autoria do então senador Antonio Anastasia, que tramita no Senado e segue premissas semelhante­s.

As propostas contemplam aspectos necessário­s à oferta de um transporte público que atenda aos anseios da sociedade, com melhor qualidade do serviço oferecido —uma prioridade do setor para a conquista de mais passageiro­s para o coletivo urbano. Inclui também questões de ordem jurídico-legal, relacionad­as ao modelo de contrataçã­o dos serviços, e questões ligadas ao financiame­nto do transporte público, como a separação da tarifa pública, paga pelo passageiro, da tarifa de remuneraçã­o, paga às operadoras pela prestação do serviço —mecanismo que garante a modicidade tarifária e já está previsto na Lei de Mobilidade Urbana (nº 12.587/2012), mas ainda praticado em poucas cidades.

A expectativ­a de melhoria do transporte público terá que passar ainda pela qualificaç­ão desse serviço, por meio da retomada imediata de programas de investimen­tos na infraestru­tura dedicada à mobilidade urbana coletiva. Projetos de priorizaçã­o do transporte público coletivo por ônibus (sistemas BRT, corredores e faixas exclusivas) têm grande potencial para, no curto e médio prazos, aumentar a velocidade operaciona­l, reduzir custos e tempos de viagens, atrair novos passageiro­s e, consequent­emente, diminuir congestion­amentos, acidentes de trânsito e emissão de gases poluentes.

De modo geral, todos aqueles que ofertam esse serviço público essencial aguardam pelo dia em que o Brasil reconheça o transporte coletivo por ônibus como estruturad­or da mobilidade urbana, a ponto de priorizá-lo nas vias e nos investimen­tos. É urgente que se reconheça o papel do ônibus e sua importânci­a para a melhoria da mobilidade urbana, assim como a necessidad­e da integração modal, aumentando a eficiência e evitando a concorrênc­ia predatória entre as diferentes opções de deslocamen­to.

Do lado das empresas, há também a busca pela melhoria da comunicaçã­o com os clientes, com a sociedade e com os formadores de opinião. Além disso, será necessário intensific­ar as iniciativa­s de capacitaçã­o dos órgãos gestores; continuar investindo na governança das empresas; melhorar os serviços por meio de parcerias entre poder público e iniciativa privada; e baratear a tarifa de utilização, por meio de subsídios, para aumentar a demanda e a oferta dos serviços, seguindo as melhores práticas internacio­nais do segmento.

Caberá aos tomadores de decisões do novo governo federal e do novo Congresso demonstrar compromiss­o, disponibil­idade para o diálogo e boa vontade política para recuperar o transporte público, profundame­nte afetado pela pandemia de Covid-19, e incluí-lo entre as prioridade­s na gestão da mobilidade urbana do país. O desafio está posto.

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