Pandemia foi tempestade perfeita para a corrupção, diz ONG
São paulo No ranking do IPC (Índice de Percepção da Corrupção) de 2022, divulgado pela ONG Transparência Internacional nesta terça-feira (31), a média global ficou estagnada em 43 pontos pelo 11º ano seguido —o índice vai de 0, para o cenário mais corrupto, a 100, para o mais íntegro.
Segundo Bruno Brandão, diretor-executivo da ONG no Brasil, o boom de gastos na pandemia foi a tempestade perfeita para a corrupção em diferentes países. “Com uma grande emergência mundial, os governos tiveram que gastar como nunca gastaram, e de maneira emergencial, como nunca fizeram”, afirma.
Durante as fases mais agudas da crise sanitária, houve governos que aproveitaram a situação para tentar aumentar seus poderes. Na Hungria, Viktor Orbán garantiu o direito de governar por decreto por tempo indeterminado. O texto, de março de 2020, permitia ao premiê suspender sessões parlamentares e pleitos e estabelecer prisão de cinco anos para quem divulgasse informação considerada falsa pelo governo.
No Brasil, suspeitas ligadas à compra da vacina Covaxin respingaram no governo Bolsonaro, e Wilson Witzel foi destituído do governo do Rio de Janeiro após acusação de irregularidades na resposta à Covid.
O Brasil teve uma “década perdida” em questões de transparência, afirma Brandão. “O mensalão e a Lava Jato não surgem do vácuo, mas do progresso do país, que permitiu que algo como essas investigações acontecesse. A Lava Jato quebra paradigmas da impunidade histórica, mas desestabiliza o sistema político brasileiro. Nessa desestabilização, uma força populista e autoritária se aproveita das condições e sequestra o discurso anticorrupção”, diz o economista, em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
De acordo com a ONG, os resultados do relatório refletem “o desmanche acelerado dos marcos legais e institucionais anticorrupção que o país havia levado décadas para construir”. “Junto com esse retrocesso, o Brasil sofreu degradação sem precedentes de seu regime democrático”, afirma a organização.
Embora tenha assumido a Presidência sob discurso de integridade nos gastos públicos, Bolsonaro iniciou o governo, segundo a ONG, com “montanhas de evidências de corrupção”. Na tentativa de blindar a si mesmo e sua família, afirma o economista, o ex-presidente desmontou o sistema de freios e contrapesos.
A Transparência Internacional classifica 180 países e territórios de acordo com 13 fontes de dados, além da percepção da corrupção no setor público entre especialistas e executivos. O estudo é publicado desde 1995, mas em 2012 passou por uma mudança metodológica que permitiu traçar uma série histórica.
O Brasil subiu duas colocações no ranking e aparece no 94º lugar da lista, voltando para a mesma posição de 2020. O índice, entretanto, continua estável em relação às duas classificações anteriores, 38, número que coloca o país abaixo da pontuação média das Américas: 43.
Nos últimos anos, a nação com melhora mais significativa foi Angola. Em 2022, o país africano chegou a 33 pontos, 14 a mais do que em 2018. Entre os que tiveram piora no índice estão Canadá e Reino Unido, com queda de sete pontos cada um em cinco anos. Dos 180 países analisados, dois terços pontuaram abaixo de 50, e 124 estagnaram. O número de países com as notas em declínio, porém, está aumentando.
A região com maior pontuação é a Europa Ocidental, com média de 66 —lá está a Dinamarca, que lidera a lista, com 90 pontos. Na outra ponta, a África Subsaariana tem a menor média: 32. A Somália, último país do ranking, marcou 12 pontos. “Países com instituições fortes e democracias saudáveis muitas vezes se encontram no topo”, diz o relatório.
Na América Latina, os países com as menores pontuações são Nicarágua e Venezuela, sob regimes ditatoriais, além do Haiti, epicentro de uma espiral de crises. Eles marcam 19, 14 e 17 pontos, respectivamente. Já no topo do ranking estão Uruguai, com 74, e Chile, com 67 pontos.
Brandão destaca que os dois últimos países são democracias estáveis, com alternância de poder e sem grandes rupturas institucionais, que normalmente interrompem políticas públicas eficientes.