Folha de S.Paulo

Pandemia foi tempestade perfeita para a corrupção, diz ONG

- Daniela Arcanjo

São paulo No ranking do IPC (Índice de Percepção da Corrupção) de 2022, divulgado pela ONG Transparên­cia Internacio­nal nesta terça-feira (31), a média global ficou estagnada em 43 pontos pelo 11º ano seguido —o índice vai de 0, para o cenário mais corrupto, a 100, para o mais íntegro.

Segundo Bruno Brandão, diretor-executivo da ONG no Brasil, o boom de gastos na pandemia foi a tempestade perfeita para a corrupção em diferentes países. “Com uma grande emergência mundial, os governos tiveram que gastar como nunca gastaram, e de maneira emergencia­l, como nunca fizeram”, afirma.

Durante as fases mais agudas da crise sanitária, houve governos que aproveitar­am a situação para tentar aumentar seus poderes. Na Hungria, Viktor Orbán garantiu o direito de governar por decreto por tempo indetermin­ado. O texto, de março de 2020, permitia ao premiê suspender sessões parlamenta­res e pleitos e estabelece­r prisão de cinco anos para quem divulgasse informação considerad­a falsa pelo governo.

No Brasil, suspeitas ligadas à compra da vacina Covaxin respingara­m no governo Bolsonaro, e Wilson Witzel foi destituído do governo do Rio de Janeiro após acusação de irregulari­dades na resposta à Covid.

O Brasil teve uma “década perdida” em questões de transparên­cia, afirma Brandão. “O mensalão e a Lava Jato não surgem do vácuo, mas do progresso do país, que permitiu que algo como essas investigaç­ões acontecess­e. A Lava Jato quebra paradigmas da impunidade histórica, mas desestabil­iza o sistema político brasileiro. Nessa desestabil­ização, uma força populista e autoritári­a se aproveita das condições e sequestra o discurso anticorrup­ção”, diz o economista, em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

De acordo com a ONG, os resultados do relatório refletem “o desmanche acelerado dos marcos legais e institucio­nais anticorrup­ção que o país havia levado décadas para construir”. “Junto com esse retrocesso, o Brasil sofreu degradação sem precedente­s de seu regime democrátic­o”, afirma a organizaçã­o.

Embora tenha assumido a Presidênci­a sob discurso de integridad­e nos gastos públicos, Bolsonaro iniciou o governo, segundo a ONG, com “montanhas de evidências de corrupção”. Na tentativa de blindar a si mesmo e sua família, afirma o economista, o ex-presidente desmontou o sistema de freios e contrapeso­s.

A Transparên­cia Internacio­nal classifica 180 países e território­s de acordo com 13 fontes de dados, além da percepção da corrupção no setor público entre especialis­tas e executivos. O estudo é publicado desde 1995, mas em 2012 passou por uma mudança metodológi­ca que permitiu traçar uma série histórica.

O Brasil subiu duas colocações no ranking e aparece no 94º lugar da lista, voltando para a mesma posição de 2020. O índice, entretanto, continua estável em relação às duas classifica­ções anteriores, 38, número que coloca o país abaixo da pontuação média das Américas: 43.

Nos últimos anos, a nação com melhora mais significat­iva foi Angola. Em 2022, o país africano chegou a 33 pontos, 14 a mais do que em 2018. Entre os que tiveram piora no índice estão Canadá e Reino Unido, com queda de sete pontos cada um em cinco anos. Dos 180 países analisados, dois terços pontuaram abaixo de 50, e 124 estagnaram. O número de países com as notas em declínio, porém, está aumentando.

A região com maior pontuação é a Europa Ocidental, com média de 66 —lá está a Dinamarca, que lidera a lista, com 90 pontos. Na outra ponta, a África Subsaarian­a tem a menor média: 32. A Somália, último país do ranking, marcou 12 pontos. “Países com instituiçõ­es fortes e democracia­s saudáveis muitas vezes se encontram no topo”, diz o relatório.

Na América Latina, os países com as menores pontuações são Nicarágua e Venezuela, sob regimes ditatoriai­s, além do Haiti, epicentro de uma espiral de crises. Eles marcam 19, 14 e 17 pontos, respectiva­mente. Já no topo do ranking estão Uruguai, com 74, e Chile, com 67 pontos.

Brandão destaca que os dois últimos países são democracia­s estáveis, com alternânci­a de poder e sem grandes rupturas institucio­nais, que normalment­e interrompe­m políticas públicas eficientes.

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