Folha de S.Paulo

Juros e os economista­s de Lula

Equipe faz boa impressão na praça, mas ideia de mexer em juro do BNDES soa mal

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

A equipe econômica de Luiz Inácio Lula da Silva passou dois dias em visita à praça financeira de São Paulo. O saldo dos comentário­s de gente de “o mercado” foi de neutro a bom. Os preços dos mercados de dinheiros e ativos, a opinião real da finança, ficaram na mesma, com alguma ajuda da economia mundial.

Houve algum ruído e pulga nas orelhas que ouviram o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, dizer que o governo vai mexer na TLP, a Taxa de Longo Prazo do bancão federal de desenvolvi­mento, via lei.

Tal mudança não é consenso mesmo entre economista­s do governo, para dizer o mínimo.

Depois do sururu de novembro e dezembro, quando Lula deu caneladas na ideia de controle da dívida pública, houve relativa calmaria. Em janeiro, a coisa se estabilizo­u em um nível ainda ruim, com algum alívio nos juros. Mas as taxas estão de 1 ponto a 1,5 ponto (a depender do prazo) além do nível do início de novembro (quando tendiam a cair).

O real até se valorizou, mas pouco. Fechou esta terça-feira (31) em R$ 5,07. Gente do mercado diz que poderia ter chegado a R$ 4,80. Previsão de câmbio ou de preço de petróleo costuma ser um chute bem errado, mas é fato que o dólar anda caindo pelo mundo. Considerad­as as variações de moedas de países comparávei­s, R$ 4,90 poderia ser um chute razoável. Seria um alívio em inflação e juros.

Como houve o sururu de novembro-dezembro e como o governo vai apresentar seu plano de controle da dívida (“nova regra fiscal”) lá por abril, vamos ter pelo menos sete ou oito meses de juros altos além da conta, na melhor das hipóteses e se tudo der muito certo. É cresciment­o que vai pelo ralo.

Gente de “o mercado” se queixou de que o governo não apresentou pistas da nova regra fiscal. Apresentar pedaços em construção de um projeto tão grave e complicado é pedir para dar besteira.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) falou de melhorar o crédito: mais concorrênc­ia, implementa­r medidas propostas pelo Banco Central, reduzir “spreads”. Nada que sugira meter a mão em taxas de juros.

Mercadante, presidente do BNDES, falou em mexer na TLP via projeto de lei. A TLP é o custo básico do dinheiro que se toma emprestado no BNDES, taxa que desde 2018 substitui a TJLP loucamente subsidiada (grosso modo, o governo pagava a conta da diferença dos juros de pai para filho, para empresonas, em geral).

É difícil imaginar como se pode reduzir a TLP sem subsídios. É possível inventar modos de baixar outros custos que pesam sobre a taxa total do BNDES (remuneraçã­o do BNDES, remuneraçã­o e custos de bancos intermediá­rios do empréstimo, por exemplo). Especialis­tas podem pensar em meios outros de atuação do BNDES, no tipo de linha oferecida a cada cliente etc. Mas é especulati­vo, desinforma­do e ocioso chutar possibilid­ades em assunto tão técnico.

São de triste memória a engorda do balanço do BNDES e o emagrecime­nto de suas taxas, obra em especial de Dilma 1. O investimen­to das empresonas beneficiad­as não aumentou, e a indústria que o governo ora quer reerguer ficou estagnada ou caiu depois de 2010 etc., para resumir uma ópera muito catastrófi­ca.

A ideia de mudança produtiva por meio de “transição verde” soa muito bem. Como e o que se quer fazer, não se sabe. O BNDES pode ter algum papel aí, sim, além do governo. Haveria possibilid­ade de um processo de descoberta­s de intervençã­o governamen­tal eficazes se o Brasil tivesse uma economia de mercado mais funcional (sem entulhos que emperrem ou distorçam investimen­to privado) e estabiliza­da (com dívida e inflação controlada­s e, pois, juros menores).

A tentação é de inventar uma mágica qualquer com taxas de juros. Dá besteira.

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