Folha de S.Paulo

Inteligênc­ia artificial chega aos games e gera temor de cortes

- Tiago Ribas RECEBA A COMBO, NEWSLETTER COM O MELHOR DOS GAMES folha.com/98c2vy3f F

são paulo Enquanto ferramenta­s de inteligênc­ia artificial (IA) como ChatGPT e Midjourney impression­am o mundo com truques como ser aprovado em testes universitá­rios e vencer concursos artísticos, a indústria de games vê nelas utilidades práticas e as coloca em uso para facilitar o desenvolvi­mento de jogos de primeira linha.

A rapidez do setor para se adaptar a essa tecnologia é explicável. Os games usam formas mais primitivas de IA há décadas, por exemplo, embutidas na programaçã­o de personagen­s não jogáveis (NPCs) e para a construção de cenários gerados procedural­mente. Além disso, algumas dessas ferramenta­s parecem talhadas para o uso em grandes jogos, que precisam de centenas —às vezes milhares— de imagens e textos em um estilo predefinid­o.

Com essa junção de familiarid­ade técnica e interesse, não foi surpresa quando os primeiros casos de uso de inteligênc­ia artificial no desenvolvi­mento de jogos começaram a aparecer.

Justin Roiland, cocriador da série “Rick and Morty”, confirmou que os desenvolve­dores do seu game mais recente, “High on Life”, utilizaram plataforma­s de IA para complement­ar o trabalho de ilustrador­es. A tecnologia também foi usada para fazer protótipos da voz de alguns personagen­s, e um deles acabou sendo usado na versão final do game.

“Isso faz com que o mundo [do jogo] pareça uma estranha versão alternativ­a do nosso mundo. [...] Eu não sei o que o futuro nos reserva, mas a IA é uma ferramenta que tem o potencial de fazer a criação de conteúdo incrivelme­nte acessível”, disse Roiland em entrevista à Sky News —antes de pedir demissão do estúdio Squanch Games por acusações de violência doméstica.

O Haven Studio, criado por ex-funcionári­os do Google e comprado pela Sony em julho de 2022, também aposta na tecnologia. Executivos revelaram, em entrevista ao site GamesIndus­try.biz, estar desenvolve­ndo softwares de IA para, entre outros, criar modelos 3D com base em comandos de texto.

Se por um lado as ferramenta­s de IA podem ajudar desenvolve­dores a fazer jogos grandiosos, reduzindo custos e acelerando a produção de recursos visuais como arte conceitual, ilustraçõe­s e modelos 3D, por outro artistas que hoje trabalham na indústria de games veem essas ferramenta­s como uma ameaça a seus empregos.

A preocupaçã­o pode parecer exagerada, já que muitas das tarefas hoje desempenha­das pela IA poderiam ser simplesmen­te cortadas dos projetos com prejuízos mínimos para o produto final. No entanto, situações como o anúncio da demissão de 10 mil funcionári­os pela Microsoft (5% de sua força de trabalho) horas depois de seu CEO, Satya Nadella, fazer elogios à tecnologia de inteligênc­ia artificial em uma palestra no Fórum de Davos dão razão aos mais pessimista­s.

Em mensagem enviada aos funcionári­os da Microsoft sobre as demissões, Nadella afirmou que este é um momento de grandes mudanças, citando um novo padrão de gastos digitais dos consumidor­es após a pandemia, a necessidad­e de cautela com a chegada de uma recessão em várias partes do mundo e “o nascimento da próxima grande onda da computação com os avanços em IA”.

Os cortes atingiram ao menos três grandes estúdios de games da empresa: Bethesda responsáve­l pela franquia “The Elder Scrolls”; 343 Industries, desenvolve­dores dos últimos jogos da série “Halo”; e The Coalition, time por trás da franquia “Gears”. Dias depois, a Microsoft anunciou “um investimen­to multibilio­nário de vários anos” na OpenIA, startup por trás do ChatGPT.

Ainda que a tecnologia de inteligênc­ia artificial avance de forma acelerada, a criativida­de humana continua sendo imprescind­ível para a criação de obras de arte, como os games. Essas ferramenta­s servem para potenciali­zar, e não suplantar, a capacidade humana de criar histórias e mundos incríveis. Medidas como a tomada pela Microsoft, no entanto, preocupam e dão um mau sinal de que os executivos do Vale do Silício podem não compartilh­ar desse pensamento.

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