Crise pode ser pior do que foi visto, afirma chefe de Saúde
Garimpo e ações criminosas prejudicam chegada a determinadas áreas
Brasília Dez dias após ser declarada a emergência sanitária na Terra Indígena Yanomami, a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde) ainda não conseguiu acessar completamente a área. O motivo é a falta de segurança devido às ações do garimpo e do crime organizado.
O novo secretário, Weibe Tapeba, admite que só poderá ser possível chegar a determinadas localidades e verificar o cenário completo após as forças de segurança expulsarem o garimpo —e, por isso, a situação do povo pode ser ainda pior do que o que se viu até agora.
“Pode ser muito maior ainda, temos algumas comunidades aonde nós sequer conseguimos chegar. A previsão [para alcançar essas áreas] é quando retirarem os garimpeiros”, diz à Folha.
Dentre os próximos passos das ações emergenciais está prevista a reativação de polos-base (unidades simples de posto de saúde instaladas nos territórios), além da contratação de mais médicos.
Também estão no radar a criação de programas para recuperação ambiental, alimentar e cultural e as ações voltadas a saúde de mulheres, de indígenas isolados e de recente contato. Ele sugere ainda que aeronaves de criminosos apreendidas pelas autoridades sejam destinadas a ações governamentais para a proteção dos indígenas.
Leia a seguir os principais pontos da entrevista.
Situação da pasta
Quando chegamos aqui nos deparamos com uma situação calamitosa, uma instituição aparelhada pelo militarismo na era Bolsonaro. Resolvemos isso [com exonerações]. E [há] essa situação difícil envolvendo o território do povo yanomami. Estamos tentando organizar a casa, iniciando as tratativas para nomeação dos 34 coordenadores dos distritos sanitários especiais indígenas.
Estamos discutindo para que haja um protagonismo também regional. Acredito que a maioria dos cargos será ocupado por indígenas, mas podem ter indicações de confiança da administração pública.
Diagnóstico da crise
Sabíamos que era uma situação bem preocupante, mas não sabíamos a dimensão de como realmente estava, com pelo menos cinco polos-base de saúde fechados por conta da insegurança. Muitos profissionais foram ameaçados, coagidos, unidades de saúde foram queimadas. Colocamos muito claramente para o presidente da República e para um conjunto de ministros: só é possível tirar o povo yanomami de um projeto de genocídio que estava em curso, se, de fato, houver a remoção dos garimpeiros daquele território.
Havia vários alertas, mas o tamanho do caos [surpreendeu]… E pode ser muito maior ainda, temos algumas comunidades aonde nós sequer conseguimos chegar. A previsão [para alcançar esses locais] é quando retirarem os garimpeiros. As duas comunidades a que eu fui, com ajuda da Força Aérea, são comunidades que estão na beira do rio e o garimpo se instalou em volta. Elas são reféns do garimpo. Tivemos que fazer uma operação para entrar com cestas de alimentos em duas comunidades, só conseguimos isso com ajuda da Força Aérea Brasileira.
Ações
Vamos ter uma chamada do Mais Médicos que vai priorizar o território yanomami. A longo prazo, precisamos reabrir as escolas indígenas, temos que ter um plano de gestão ambiental, um plano de recuperação de áreas degradadas e reflorestamento, um plano de despoluição das águas do rio —com descontaminação de mercúrio—, um programa de segurança alimentar e um programa de etnodesenvolvimento —porque por conta dessa situação muitos indígenas ficaram sem ter como produzir [nas] roças.
Ameaça em outras áreas
Temos uma situação bastante difícil no Vale do Javari [onde morreram em junho o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips], mas precisamos de mais tempo para apurar. Existe muita pressão do crime organizado, de piratas, há povos isolados e povos de recente contato, o acesso é muito difícil, então precisamos ter um olhar diferenciado para aquela região, para organizar alguma ação.
O povo maxakali, em Minas Gerais, tem um contexto de desnutrição e alcoolismo, e a Sesai não tem nenhum programa específico para eles. Em Mato Grosso do Sul, há comunidades indígenas que foram despejadas, expulsas de seus territórios tradicionais e jogadas na beira da estrada, entre a via e as cercas das fazendas. Como é que você consegue realizar a assistência de saúde nessas condições? Então precisamos olhar cada contexto e abordar cada situação a partir de diagnósticos bem localizados.
Estrutura da secretaria
Nós estamos replicando o orçamento do ano de 2022 neste ano de 2023, ou seja, é um ano de arrocho. Ao mesmo tempo, nós temos pelo menos dois estados, Piauí e Rio Grande do Norte, com população bastante significativa, em que a Sesai não atua porque não havia um planejamento anterior. Estamos fazendo um estudo para apresentar à ministra [Nísia Trindade] e tentar um incremento orçamentário.
“Só é possível tirar o povo yanomami de um projeto de genocídio que estava em curso, se, de fato, houver a remoção dos garimpeiros daquele território
Weibe Tapeba secretário da Sesai