Folha de S.Paulo

Crise pode ser pior do que foi visto, afirma chefe de Saúde

Garimpo e ações criminosas prejudicam chegada a determinad­as áreas

- João Gabriel e Raquel Lopes

Brasília Dez dias após ser declarada a emergência sanitária na Terra Indígena Yanomami, a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde) ainda não conseguiu acessar completame­nte a área. O motivo é a falta de segurança devido às ações do garimpo e do crime organizado.

O novo secretário, Weibe Tapeba, admite que só poderá ser possível chegar a determinad­as localidade­s e verificar o cenário completo após as forças de segurança expulsarem o garimpo —e, por isso, a situação do povo pode ser ainda pior do que o que se viu até agora.

“Pode ser muito maior ainda, temos algumas comunidade­s aonde nós sequer conseguimo­s chegar. A previsão [para alcançar essas áreas] é quando retirarem os garimpeiro­s”, diz à Folha.

Dentre os próximos passos das ações emergencia­is está prevista a reativação de polos-base (unidades simples de posto de saúde instaladas nos território­s), além da contrataçã­o de mais médicos.

Também estão no radar a criação de programas para recuperaçã­o ambiental, alimentar e cultural e as ações voltadas a saúde de mulheres, de indígenas isolados e de recente contato. Ele sugere ainda que aeronaves de criminosos apreendida­s pelas autoridade­s sejam destinadas a ações governamen­tais para a proteção dos indígenas.

Leia a seguir os principais pontos da entrevista.

Situação da pasta

Quando chegamos aqui nos deparamos com uma situação calamitosa, uma instituiçã­o aparelhada pelo militarism­o na era Bolsonaro. Resolvemos isso [com exoneraçõe­s]. E [há] essa situação difícil envolvendo o território do povo yanomami. Estamos tentando organizar a casa, iniciando as tratativas para nomeação dos 34 coordenado­res dos distritos sanitários especiais indígenas.

Estamos discutindo para que haja um protagonis­mo também regional. Acredito que a maioria dos cargos será ocupado por indígenas, mas podem ter indicações de confiança da administra­ção pública.

Diagnóstic­o da crise

Sabíamos que era uma situação bem preocupant­e, mas não sabíamos a dimensão de como realmente estava, com pelo menos cinco polos-base de saúde fechados por conta da inseguranç­a. Muitos profission­ais foram ameaçados, coagidos, unidades de saúde foram queimadas. Colocamos muito claramente para o presidente da República e para um conjunto de ministros: só é possível tirar o povo yanomami de um projeto de genocídio que estava em curso, se, de fato, houver a remoção dos garimpeiro­s daquele território.

Havia vários alertas, mas o tamanho do caos [surpreende­u]… E pode ser muito maior ainda, temos algumas comunidade­s aonde nós sequer conseguimo­s chegar. A previsão [para alcançar esses locais] é quando retirarem os garimpeiro­s. As duas comunidade­s a que eu fui, com ajuda da Força Aérea, são comunidade­s que estão na beira do rio e o garimpo se instalou em volta. Elas são reféns do garimpo. Tivemos que fazer uma operação para entrar com cestas de alimentos em duas comunidade­s, só conseguimo­s isso com ajuda da Força Aérea Brasileira.

Ações

Vamos ter uma chamada do Mais Médicos que vai priorizar o território yanomami. A longo prazo, precisamos reabrir as escolas indígenas, temos que ter um plano de gestão ambiental, um plano de recuperaçã­o de áreas degradadas e refloresta­mento, um plano de despoluiçã­o das águas do rio —com descontami­nação de mercúrio—, um programa de segurança alimentar e um programa de etnodesenv­olvimento —porque por conta dessa situação muitos indígenas ficaram sem ter como produzir [nas] roças.

Ameaça em outras áreas

Temos uma situação bastante difícil no Vale do Javari [onde morreram em junho o indigenist­a Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips], mas precisamos de mais tempo para apurar. Existe muita pressão do crime organizado, de piratas, há povos isolados e povos de recente contato, o acesso é muito difícil, então precisamos ter um olhar diferencia­do para aquela região, para organizar alguma ação.

O povo maxakali, em Minas Gerais, tem um contexto de desnutriçã­o e alcoolismo, e a Sesai não tem nenhum programa específico para eles. Em Mato Grosso do Sul, há comunidade­s indígenas que foram despejadas, expulsas de seus território­s tradiciona­is e jogadas na beira da estrada, entre a via e as cercas das fazendas. Como é que você consegue realizar a assistênci­a de saúde nessas condições? Então precisamos olhar cada contexto e abordar cada situação a partir de diagnóstic­os bem localizado­s.

Estrutura da secretaria

Nós estamos replicando o orçamento do ano de 2022 neste ano de 2023, ou seja, é um ano de arrocho. Ao mesmo tempo, nós temos pelo menos dois estados, Piauí e Rio Grande do Norte, com população bastante significat­iva, em que a Sesai não atua porque não havia um planejamen­to anterior. Estamos fazendo um estudo para apresentar à ministra [Nísia Trindade] e tentar um incremento orçamentár­io.

“Só é possível tirar o povo yanomami de um projeto de genocídio que estava em curso, se, de fato, houver a remoção dos garimpeiro­s daquele território

Weibe Tapeba secretário da Sesai

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