Folha de S.Paulo

Oscar, diversidad­e e escolhas

‘Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo’ propõe com genialidad­e a revisão de decisões

- Jairo Marques Jornalista, é especialis­ta em jornalismo social pela PUC-SP. Cadeirante desde a infância

Meus amigos não aguentam mais me ouvir falar de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, que vai concorrer ao Oscar de melhor filme neste ano. O que me fascinou na obra foi a provocante discussão sobre o peso de nossas escolhas e as consequênc­ias que elas vão gerando na vida, tanto as grandes, como os enlaces românticos, como as rotineiras, do tipo onde faremos as compras.

Todas as nossas decisões sobre formas de amar —e a quem amar— , sobre as artes que paramos para apreciar, sobre os estudos que nos debruçamos a fazer moldam o tipo de resposta que teremos na jornada da existência. Cada caminho com sua própria paisagem, buracos, belezas e asperezas.

Parece óbvio, parece que está na cara que é assim, mas, muitas vezes, temos um catálogo de opções restrito diante de nossa condição ou diante daquilo que conseguimo­s enxergar. É neste momento que experiênci­as, vivências e convivênci­as diversas são determinan­tes.

É na pluralidad­e da fé, das cores, das formas afetivas, dos modos de sentir, das maneiras de ser, dos jeitos de acreditar, das gerações que nos aproximamo­s que fazem multiplica­r as percepções de “certo e errado”, de “bom e ruim” e, consequent­emente, nos afastam da armadilha das “únicas escolhas” que restam.

O poder de quem nos rodeia é imenso também no processo de decidir rumos a seguir. Até que ponto a vontade do pai —e sua mala de valores e olhares— prevalece sobre o desejo de um filho? Em que momento nossos amantes subtraem ou somam argumentos em relação a nossos grandes amores? Como a fala de um vizinho reverbera em meus discursos?

Voltando ao filme lá do começo, é deliciosa, com doses cavalares de perigo também, deter o poder de saber como a realidade seria se pudéssemos ter feito escolhas distintas das que nos determinam hoje. Embora a ficção prevaleça nisso, é interessan­te fazer o exercício de imaginar e refletir sobre as bases que nos levaram para um ou outro caminho.

Mais uma vez, nesse caso, o contato, as trocas e o entendimen­to das diversidad­es podem ser impactante­s. Olhar o que foi vivido com experiênci­as mais diversas no presente serve tanto para não nos punirmos pelos desconheci­mentos e pelas posturas que assumimos —aquela irmã gay que ninguém nem percebia os desejos, o amigo negro sempre tratado de “moreno”, a tia velha reclamona— como também para guiar passos futuros.

A genialidad­e da trama, a meu ver, porém, não mora na construção de uma angústia pelo que não fomos versus a projeção de uma bela vida que poderíamos ter tido, com o requinte da opção ficcional de conseguir experiment­ar “tudo ao mesmo tempo”.

A genialidad­e vem da reflexão de nos darmos a chance de examinar melhor nossas práticas agora, com o que temos, com as pessoas que podemos alcançar, com os valores que podemos remodelar, ampliar e rever, apenas espiando o passado.

Por fim, é certo haver outras formas de interpreta­r o mesmo filme, que ora é ação, ora é comédia, ora perambula pelo drama e pela ficção científica. Bem plural, bem “maraviwond­erful”.

Entro em férias e vou descansar a beleza: curtir uns alalaôs por aí. Volto em março. Até breve!

| dom. Antonio Prata | seg. Marcia Castro | ter. Vera Iaconelli | qua. Ilona Szabó de Carvalho, Jairo Marques | qui. Juliano Spyer, Sérgio Rodrigues | sex. Tati Bernardi | sáb. Oscar Vilhena Vieira, Luís Francisco Carvalho Filho

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil