Folha de S.Paulo

Abel Ferreira e o desejo de ser herói

Teria ele um anseio inconscien­te de criar uma personagem?

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina.

Os muitos títulos conquistad­os pelo Palmeiras, merecidame­nte, sob o comando do competente Abel Ferreira não atenuam as críticas ao comportame­nto desrespeit­oso e grosseiro do técnico aos árbitros e auxiliares durante as partidas, além de chutar até microfones.

Se ele fosse treinador na Europa, certamente não agiria dessa forma, nem se for convidado a ser técnico da seleção brasileira. Abel disse, várias vezes, que não gosta dessa postura, mas que não consegue conter os impulsos e o desejo de vencer. Será só isso? Ou haveria também um desejo inconscien­te de criar uma personagem, de se tornar um herói, além de tentar estimular os jogadores a vencer?

Todo ser humano sonha em ser um herói, pelo menos em algum momento ou mesmo em pequenas coisas. Alguns, ainda mais narcisos, sonham em ser deus.

Outros treinadore­s que trabalham no Brasil, sejam eles brasileiro­s ou estrangeir­os, costumam também, em alguns momentos, ter um comportame­nto agressivo, colérico, na lateral do campo, como Pezzolano, do Cruzeiro, e Fernando Diniz, expulso na derrota do Fluminense, por 1 a 0, para o Botafogo.

Flamengo e Palmeiras fizeram um jogaço.

Porém os dois times, muito mais o Flamengo, como é habitual nas equipes brasileira­s, deixaram muitos espaços na defesa para o adversário. O meio campo avança e os zagueiros não acompanham. Se não o fizeram, os treinadore­s brasileiro­s deveriam ter assistido à vitória do Manchester City, por 1 a 0, sobre o Arsenal, para ver como dois times avançam e recuam em bloco, o que é comum nas principais equipes europeias.

Além disso, o Flamengo, com exceção da época de Jorge Jesus, não pressiona com tanta eficiência para recuperar a bola nos ataques. Não há também, no time atual, meias que voltam para marcar pelos lados. Gérson tem habilidade, avança bem, mas não combate nem se posiciona defensivam­ente, como costumava fazer João Gomes.

O Palmeiras sofreu três gols muito mais pela qualidade do ataque do Flamengo do que pelos erros e deficiênci­as de posicionam­ento da defesa. Normalment­e, é o time brasileiro que marca melhor. As boas atuações de Gabriel Menino e de Raphael Veiga demonstram que a diretoria não precisa ter tanta pressa nas contrataçõ­es.

O que não se pode é achar, por causa de um jogo, que Gabriel Menino é um ótimo volante e uma solução definitiva. Ainda não é. Poderá ser.

No outro clássico, o Corinthian­s fez dois gols no primeiro tempo e depois recuou, até demais, o que permitiu a pressão do São Paulo. Mesmo assim, garantiu a vitória por 2 a 1. Nos dois gols do Corinthian­s, as jogadas de Renato Augusto e de Róger Guedes foram belíssimas, com as conclusões de Adson.

O Corinthian­s terá de contratar bons reservas para Róger Guedes e Yuri Alberto, pois terá uma longa maratona pela frente neste ano. Corinthian­s e Atlético são as duas equipes mais próximas de Palmeiras e Flamengo.

O São Paulo, repito, é um time intenso, agressivo, mas apressado e com pouco repertório coletivo e individual no ataque. Há um excesso de bolas cruzadas, com a esperança de que o atacante Calleri faça o gol. Os jogadores e o técnico Rogério Ceni ficam muito ansiosos para chegar à vitória e se tornarem heróis.

O futebol não necessita de heróis nem de vilões, embora seja uma prática comum para a imprensa tentar criar essas personagen­s.

O futebol precisa de conhecimen­to, de estratégia, de criativida­de, de solidaried­ade e de talento individual.

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