Vestidos flutuantes de Viktor & Rolf viram a moda de pontacabeça em espetáculo ousado
parIs Todos tentam. Ah, como tentam. Mas tão poucos conseguem. Kylie Jenner, por exemplo, tentou. Não conseguiu. E olha que usou uma cabeça de leão, uma de tigre e uma de urso no seu desfile. E aí vieram Viktor & Rolf e...
Em uma frase, parece uma tolice. O tomara-que-caia cobria primeiro o quadril. As coxas estavam à mostra cobertas por finas roupas de baixo de meados do século 20. Na cintura, um lindo laço preto marcava a tão importante linha do corpo. E a saia, engomada, subia pelos ombros e pela cabeça da modelo como se fosse uma erupção de tule —se é que era tule.
Devo esclarecer que não sou exatamente um crítico de moda. Mas o que me motivou a escrever este texto foi a inacreditável originalidade da ideia e a impecabilidade da apresentação do que Viktor & Rolf, uma dupla ultrainovadora de holandeses, mostrou há uma semana no seu desfile de alta-costura em Paris.
Uma grande brincadeira, todos tem direito de pensar. Mas o que estava sendo exibido ali era algo que não se via desde que Rei Kawakubo, da venerada Comme des Garçons, apresentou na sua coleção de “calombos”, em 1997. Uma revolução visual e conceitual que desafia inclusive as primeiras coleções do belga Martin Margiela, nos anos 1990.
Na verdade, desde que Alexander McQueen fez robôs soltarem tinta no vestido de uma modelo na sua coleção de primavera-verão de 1999, eu nunca tinha visto algo tão revolucionário na passarela.
Mas os vestidos de Viktor & Rolf vão muito além da superficialidade de um Moschino ou da pseudosseriedade que John Galliano imprime atualmente à frente da grife Margiela.
Para ser justo com Kawakubo, eu só havia me entusiasmado assim com uma coleção quando ela tirou todos os blazers masculinos dos eixos, na década passada. Viktor & Rolf fizeram algo parecido agora, mas foram ainda além.
As modelos apresentaram vestidos dignos de uma première do novo filme da Barbie —Margot Robbie ficaria lindíssima em qualquer um dos looks mais convencionais do desfile. Mas eu queria mesmo ver uma das mulheres mais lindas de Hollywood usando o vestido que vai na frente de quem o usa.
Explico —por uma obra de engenharia e costura, uma das criações mais sensacionais que Viktor & Rolf apresentaram foi um vestido que miraculosamente desfilava pela passarela meio passo antes da modelo que o “vestia”. Sim, ela não o vestia —a plateia via apenas uma mulher de corpete. Mas o vestido que caberia perfeitamente no corpo dela, ia adiante, como mágica.
E também como uma fina ironia ao que significa a moda. Usar um vestido desses é de fato se vestir? E se a moda fosse algo que não precisasse de um corpo para existir? Com roupas que desafiam a gravidade —elas literalmente atravessavam horizontal ou diagonalmente o corpo delas— as modelos ali eram menos que cabides, meras desculpas para uma roupa existir.
Entre criações possíveis e puros devaneios (se bem que eu adoraria ver alguém usando uma dessas coisas no tapete vermelho do Oscar —Margot Robbie, você está lendo isso?), o que se viu foi um desfile que era uma mistura de cuidado artesanal impecável, criação absolutamente original, reflexão semipretensiosa sobre a própria moda e uma pitada de humor na medida certa.
As feras da Schiaparelli e Jenner talvez deixem um resíduo mais permanente nos fashionistas —ainda que não exatamente positivo.
Mas, lá na frente, quem for estudar os momentos em que a moda do início do século 21 apresentou algo realmente interessante, para além das releituras de Helmut Lang e de um certo glamour anos 1920 que se viu nesta temporada, é certamente esse desfile de Viktor & Rolf que vai ser lembrado.