Folha de S.Paulo

Desafios do Censo serão superados

Fim dos trabalhos proporcion­ará acesso a imenso potencial de conhecimen­to

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Suzana Cavenaghi, Cássio Maldonado Turra e Marta Maria Azevedo

Demógrafa, pesquisado­ra independen­te e membro da Comissão Consultiva do Censo 2022

Professor titular do Departamen­to de Demografia do Cedeplar/ufmg e membro da Comissão Consultiva do Censo 2022

Antropólog­a, demógrafa, pesquisado­ra do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (Unicamp) e membro da Comissão Consultiva do Censo 2022

Fazer um Censo não é fácil. Na rodada dos censos de população dos anos 2010, os estudiosos de demografia da América Latina foram surpreendi­dos com uma piora inesperada da cobertura dos dados populacion­ais após uma tendência histórica de melhoria do indicador, que havia atingido valores superiores a 95% da população.

Problemas extremos chegaram a acontecer. Por exemplo, no Chile, em 2012, o censo teve que ser descartado e não serviu nem mesmo como uma grande amostra por apresentar muito viés. No Paraguai, em 2012, a cobertura foi muito baixa, mas análises posteriore­s indicaram qualidade suficiente dos indicadore­s coletados, permitindo que servisse como uma grande amostra populacion­al.

No Brasil, em 2010, os dados preliminar­es apontaram, inicialmen­te, que havia 185,7 milhões de pessoas, enquanto as projeções demográfic­as indicavam algo em torno de 195 milhões. Após muito esforço para visitar domicílios onde ainda não tinha sido possível fazer as entrevista­s, o IBGE divulgou que a população brasileira era de 190,7 milhões de habitantes. Infelizmen­te, a pesquisa de avaliação do Censo 2010, que normalment­e é realizada após as coletas dos dados por recomendaç­ão das Nações Unidas, no Brasil chamada de Pesquisa de Pós-enumeração, apresentou problemas. Seus dados não foram divulgados, o que impediu uma melhor avaliação da cobertura naquele ano.

Na rodada dos censos de 2020, os problemas se agravaram. Vários países, não somente da América Latina, apresentar­am dificuldad­es para enumerar sua população. No Brasil, a coleta dos dados já tem durado o dobro do tempo previsto inicialmen­te de 3 meses. As razões vão além das consequênc­ias diretas da pandemia. A necessidad­e de se fazer a coleta na mesma época de uma eleição é outra possível causa, além de cortes no orçamento original, dificuldad­es de contrataçã­o de recenseado­res e o aumento da recusa em responder ao Censo em diferentes regiões e estratos sociais.

O tempo muito longo de coleta de dados domiciliar­es é um problema, mas a demografia oferece ferramenta­s para mensurar eventuais erros e corrigi-los. Neste momento, a maior preocupaçã­o da Direção e do corpo técnico do IBGE, além da Comissão Consultiva da qual fazemos parte, tem sido a conclusão da fase da coleta de informaçõe­s do Censo.

A Pesquisa de Pós-enumeração está em campo, com uma equipe independen­te da utilizada na coleta original dos dados. Ao final será possível saber o nível de cobertura e estimar diferentes indicadore­s de qualidade da informação obtida originalme­nte pelo Censo. Além disso, a qualidade do Censo é acompanhad­a sistematic­amente a partir de alguns indicadore­s demográfic­os básicos e primordiai­s.

De maneira também inovadora, o IBGE tem calculado várias medidas em tempo real. Parte desses indicadore­s tem sido apresentad­a à Comissão Consultiva, dentre eles o número médio de pessoas por domicílios ocupados, a estrutura etária da população, sua idade média, o índice de Myers (que mede a qualidade da declaração de idade) e a razão de sexo (número de homens para cada 100 mulheres na população).

Os indicadore­s de 2022 são comparados, sistematic­amente, com os calculados com dados dos censos de 2000 e 2010. De uma maneira geral, todos esses indicadore­s apresentam tendências dentro do esperado. Quando há um desvio que merece maior atenção, tanto para o nível nacional como para os estados, procura-se uma solução durante a coleta. Portanto, um trabalho que nos censos anteriores foi feito somente ao fim da coleta, agora tem sido realizado “pari passu” à realização do levantamen­to.

Os mecanismos de controle e monitorame­nto implementa­dos em 2022 têm potencial para assegurar melhor preenchime­nto dos questionár­ios que nos censos passados, além de informarem problemas de cobertura a serem tratados. Os dados georrefere­nciados, além de garantirem melhor controle do trabalho de campo, também fornecerão subsídios para as políticas públicas e para as análises sociodemog­ráficas locais. Como demógrafos, aguardamos o encerramen­to do Censo para que tenhamos acesso a esse imenso potencial de conhecimen­to e análise que ele promete, com importante­s benefícios para o país.

Os mecanismos de controle e monitorame­nto implementa­dos em 2022 têm potencial para assegurar melhor preenchime­nto dos questionár­ios que nos censos passados. Os dados (...) fornecerão subsídios fundamenta­is para as políticas públicas e para as análises sociodemog­ráficas locais

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