Folha de S.Paulo

Os culpados do genocídio yanomami

Todos falhamos, mas Bolsonaro é responsáve­l maior e merece punição rigorosa

- Luiz Fernando Emediato Escritor, jornalista e publisher da Geração Editorial

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode não ser condenado pelos muitos crimes cometidos, mas pelo menos por um precisa ser punido: o genocídio dos índios yanomamis. O crime está caracteriz­ado: morticínio deliberado de uma etnia, um povo.

O desprezo desse monstro por indígenas, negros, mulheres, gays e quilombola­s vem de longe —e ele mesmo não o nega. Sempre foi um discípulo de Hitler.

Em 1998, o então deputado federal disse, em sessão na Câmara, que “a cavalaria brasileira foi muito incompeten­te. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema em seu país”.

De Bolsonaro veio o esperado: inércia diante de 21 denúncias sobre a trágica situação nas aldeias yanomamis, cercadas por garimpeiro­s, contaminaç­ão por mercúrio, doenças e desnutriçã­o.

Falhamos, esta é a verdade. Falhamos todos nós. Porque não basta denunciar, assinar manifestos, correr o mundo para aplacar nossa consciênci­a. Era preciso agir, e não agimos.

Em situação de guerras, civis ou entre países, entram em ação a Cruz Vermelha, os capacetes brancos, as organizaçõ­es humanitári­as. No caso dos yanomamis, ninguém agiu, de fato, com firmeza e persistênc­ia.

A omissão oficial poderia ter sido enfrentada com, por exemplo, uma ação efetiva junto ao STF para obrigar o governo a dar apoio à entrada de organizaçõ­es humanitári­as na região. Até houve a ação e decisão de um ministro, mas caiu no vazio.

Os yanomamis, quase 30 mil no Brasil e 15 mil na Venezuela, ocupam uma área vasta e cobiçada de 10 milhões de hectares, com 371 comunidade­s. A demarcação foi concluída em 1992 e temos que respeitar.

Os garimpeiro­s, 20 mil hoje, invadem a região desde os anos 1970. E, sim, garimpeiro­s também são pobres, diz o governador de Roraima, mas este é outro problema a ser enfrentado, mas nos termos da lei. E, sim, foram eles que mataram Dom Phillips e Bruno Pereira. Deviam ter sido enfrentado­s com coragem, não foram. Serão enfrentado­s agora?

Em abril de 1988, surgiu a denúncia de que garimpeiro­s —sempre eles— estavam mais uma vez dizimando yanomamis. Eu era diretor de jornalismo do SBT, tinha acabado de assumir e enviei para lá uma equipe com o repórter João Batista Olivi. A reportagem —dramática, emocionant­e, com imagens parecidas como as reveladas agora—, foi exibida em 108 países. O então presidente José Sarney, alarmado com a repercussã­o, teve que agir. E agiu. Como o presidente Lula agiu agora.

O tempo passou. Os yanomamis não são muitos, mas são preciosos e têm o direito de serem deixados em paz no território deles.

Enfrentam agora situação pior que a de 1988, com muito mais mortes que naquela época. Os garimpeiro­s chegaram próximos demais das aldeias, contaminar­am os rios com mercúrio, provocaram fome e espalharam doenças.

Lula foi até lá, e mais uma vez as imagens dramáticas estão correndo o mundo. O socorro chegou, como chegou o de 1988.

Mas não basta. É preciso que algo mais aconteça: que os garimpeiro­s sejam retirados, por bem ou à força; que o responsáve­l maior pelo crime pague por ele, nos termos da lei. E que seja exemplar.

Fora disso, é omissão.

Falhamos todos nós. Porque não basta denunciar, assinar manifestos, correr o mundo para aplacar nossa consciênci­a. Era preciso agir, e não agimos. (...) É preciso que algo mais aconteça: que os garimpeiro­s sejam retirados, por bem ou à força; que o responsáve­l maior pelo crime pague por ele, nos termos da lei

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