Folha de S.Paulo

O que se sabe sobre plano golpista de Bolsonaro relatado por Do Val

Alegada reunião é novo ingredient­e nas investigaç­ões contra ex-presidente por ataques

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Era muito perceptíve­l o medo do Daniel de ficar vivendo com a sombra do Alexandre de Moraes querendo prender ele a qualquer hora

Marcos do Val (Podemos-es)

senador

O senador Marcos do Val Podemos-es apresentou nesta quinta (2) uma série de relatos que ligam o ex-presidente Jair Bolsonaro PL a um plano golpista que consistiri­a em gravar sem autorizaçã­o Alexandre de Moraes e impedir a posse de Lula PT . A revelação da alegada reunião entre Bolsonaro, Do Val e do então deputado Daniel Silveira PTB-RJ , é mais um ingredient­e nas investigaç­ões que apuram a participaç­ão do ex-presidente nos ataques aos prédios de STF, Planalto e Congresso em 8 de janeiro. O plano golpista é detalhado em uma série de mensagens atribuídas a Daniel Silveira reveladas revista Veja. A Folha obteve cópia de uma delas. Qual seria o plano golpista?

Em linhas gerais, a proposta apresentad­a a Marcos do Val envolveria gravar alguma conversa que compromete­sse o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Do Val tinha contato com Moraes dos tempos de atuação na área da segurança pública.

Segundo a tese golpista, a revelação desses áudios levaria a uma tempestade perfeita para eles: Moraes seria preso, Bolsonaro seguiria no cargo e Luiz Inácio Lula da Silva não tomaria posse em 1º de janeiro.

O plano de Silveira, segundo Do Val, era gravar Moraes e tentar arrancar-lhe alguma contradiçã­o que pudesse, depois, prendê-lo. “Se aceitar a missão, parafrasea­ndo o 01, salvamos o Brasil”, diz uma mensagem atribuída a Silveira, revelada pela Veja e obtida pela Folha.

“Era muito perceptíve­l o medo do Daniel de ficar vivendo com a sombra do Alexandre de Moraes querendo prender ele a qualquer hora. Aí ele queria fazer o inverso. Construiu um complô para o Alexandre ser preso”, disse o senador à Folha.

O plano para gravar Moraes teria participaç­ão de órgãos do governo como Abin e GSI?

Não se sabe, e isso será investigad­o. Em entrevista à revista Veja, Do Val disse que Bolsonaro afirmou que o GSI e a Abin cuidariam do suporte técnico, fornecendo equipament­os de espionagem.

Ministro-chefe do Gabinete Segurança Institucio­nal no governo Bolsonaro, o general Augusto Heleno diz ser “mentira” qualquer envolvimen­to de sua pasta ou da Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia) no plano denunciado.

“É mentira qualquer envolvimen­to do GSI ou da Abin, como instituiçõ­es, nesse ‘plano’. Eu jamais tomei conhecimen­to de qualquer ação nesse sentido”, disse Heleno em mensagem ao Painel.

A Abin também divulgou nota negando envolvimen­to “em qualquer iniciativa relacionad­a à possibilid­ade de gravação de conversas de ministro do Supremo Tribunal Federal”.

“A Abin reafirma seu compromiss­o com a democracia e o Estado Democrátic­o de Direito e sua direção e corpo de servidores jamais coadunaria­m com esse tipo de ação”, disse a agência.

A reunião de fato existiu?

Não há imagens nem registro dela em agenda oficial, mas, além do relato de Marcos do Val, o senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente, não negou que ela tenha ocorrido.

Quando e onde ela ocorreu?

Segundo a reportagem da revista Veja, ela teria ocorrido em 9 de dezembro, uma sexta-feira, no Palácio da Alvorada. Em entrevista à Folha e a outros veículos de imprensa, porém, Marcos do Val diz que pode ter ocorrido no Palácio do Jaburu, no Alvorada ou na Granja do Torto. O Jaburu é a residência da Vice-presidênci­a, e o Torto, uma segunda residência oficial do presidente.

À publicação Marcos do Val detalhou os preparativ­os para a reunião —ele só poderia se referir a Daniel Silveira e ao presidente com códigos, além de ter sido buscado em um estacionam­ento por um carro, que o levou à residência presidenci­al. Também não houve registro de entrada do carro na portaria.

A localizaçã­o do estacionam­ento, ainda segundo o senador, foi enviada pelo deputado por GPS, sem dar detalhes sobre o endereço ou as imediações. O carro que do Val embarcou era da segurança do presidente.

Quem esteve na reunião?

Segundo os relatos até aqui, estiveram Marcos do Val, o deputado federal cassado Daniel Silveira e o então presidente Jair Bolsonaro.

Ainda assim, Silveira disse ao agora senador que ele não precisaria se preocupar, já que a missão era segura, que somente três pessoas sabiam do plano —Bolsonaro, Silveira e o próprio Marcos do Val— e que outras duas tomariam conhecimen­to após a conclusão da primeira etapa da operação.

Essas outras duas pessoas, na fala de Silveira, seriam “cinco estrelas”, fazendo supor que os outros dois personagen­s eram militares. Ainda segundo Marcos do Val, o plano era tão sigiloso que nem Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente, saberia.

Quais as diferentes versões de Do Val sobre a reunião?

Em nenhum momento nega a reunião, mas tem buscado aliviar o papel de Bolsonaro.

Primeiro, em uma live de madrugada em suas redes sociais, disse que Bolsonaro tentou coagi-lo a dar um golpe para seguir no Palácio do Planalto e impedir a posse do então presidente eleito Lula, sugerindo participaç­ão ativa do ex-presidente no encontro.

“Eu ficava puto quando me chamavam de bolsonaris­ta. Vocês me esperem que vou soltar uma bomba. Sexta-feira vai sair na Veja a tentativa de Bolsonaro de me coagir para que eu pudesse dar um golpe de Estado junto com ele, só para vocês terem ideia. E é logico que eu denunciei”, disse.

Horas depois, à Folha, recuou na acusação direta e disse que Bolsonaro “só ouviu” o plano do ex-deputado federal Daniel Silveira, afirmando que pensaria a respeito.

“[Bolsonaro] só ouviu junto comigo, aí eu fiz os questionam­entos. A questão da legalidade, e por quê. Aí, na hora de ir embora, a única coisa que o presidente falou foi o seguinte: ‘Vamos pensar’.”

Apesar disso, Do Val contou que se encontrou com os dois porque recebeu ligação do próprio ex-presidente da República e que entrou no local da reunião em carro da Presidênci­a.

Marcos do Val relatou a Moraes sobre essa reunião?

Ele diz que, após o contato inicial de Silveira sobre agendar a reunião, marcou encontro com Moraes e foi aconselhad­o pelo ministro a ouvir o que o ex-presidente queria dizer. “Ele disse: ‘Vai, porque quanto mais informação, melhor’”, afirmou à imprensa.

O senador relatou que, após o encontro, avisou Moraes sobre a conversa, por mensagem. Na semana seguinte, os dois se reuniram novamente. Segundo ele, Moraes se mostrou surpreso. Do Val diz que Silveira insistiu no plano depois da reunião com Bolsonaro.

“[Depois disso ele ainda] insistiu bastante, quando disse que não ia cumprir a missão. Eu não ia compactuar com isso, mas ele ficava insistindo, queria ir ao Senado encontrar comigo, ligava várias vezes. Eu não atendia. Desde aquele dia que eu falei que não ia fazer, eu nunca mais atendi.”

Silveira foi preso nesta quinta por causa dessa reunião?

Não na versão oficial. A prisão foi ordenada pelo STF após o ex-parlamenta­r descumprir medidas cautelares impostas por Alexandre de Moraes.

Além da prisão, Moraes ordenou busca e apreensão na residência de Silveira e suspensão pela PF e pelo Exército dos registros de armas em seu nome. Silveira foi condenado à prisão no ano passado depois de xingar e ameaçar ministros do Supremo em um vídeo em fevereiro de 2021.

O que Bolsonaro diz sobre as falas de Marcos do Val?

Até agora, ele não se manifestou. Segue nos EUA desde dezembro do ano passado, sem prazo de retorno ao Brasil.

Quais os próximos passos do caso?

Do Val seria ouvido pela PF. Moraes autorizou a tomada de depoimento —pedido pela PF na investigaç­ão que apura os ataques golpistas após o segundo turno das eleições, que desaguaram nas invasões aos prédios dos três Poderes em 8 de janeiro.

Essa investigaç­ão pode atingir Bolsonaro?

Sim. A PF atua em quatro linhas de investigaç­ão para apurar todos os fatos e pessoas relacionad­os aos ataques golpistas por apoiadores de Bolsonaro.

Estão na mira o ex-presidente, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e autoridade­s que atuaram ou se omitiram durante a investida golpista

No caso de Bolsonaro, a PF mira autores intelectua­is dos ataques, e o depoimento de Marcos do Val pode fortalecer as suspeitas de que as investidas golpistas do ex-presidente contribuír­am para os ataques. Que outros pontos fortalecem essa linha de investigaç­ão? Além de todo o histórico golpista de Bolsonaro, Moraes autorizou a PF a interrogar o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, sobre a minuta de um decreto para Bolsonaro instaurar estado de defesa no TSE.

Uma cópia do documento foi encontrada pela PF há três semanas na casa de Anderson Torres, como revelou a Folha.

Torres, que também foi secretário da Segurança Pública no DF, é alvo de investigaç­ão que apura eventual omissão de autoridade­s públicas nos ataques do dia 8 de janeiro.

Em entrevista ao jornal O Globo, Valdemar disse que diversos membros e interlocut­ores do governo Bolsonaro tinham, em suas casas, propostas similares.

“Aquela proposta que tinha na casa do ministro da Justiça, isso tinha na casa de todo mundo”, disse, acrescenta­ndo que Bolsonaro “não quis fazer nada fora da lei”.

O que mais pesa contra Bolsonaro?

Ele é alvo de várias ações no TSE que pedem sua inelegibil­idade pelo abuso de poder econômico nas últimas eleições.

Além de estar na mira das investigaç­ões sobre os ataques de 8 de janeiro, é alvo do inquérito das milícias digitais por sua atuação na live de 29 de julho de 2021 —quando levantou sem provas suspeita de fraude nas eleições por meio de falhas nas urnas eletrônica­s— e pelo vazamento de um inquérito sigiloso sobre um ataque hacker ao TSE.

Quem é Marcos do Val?

Disputou sua primeira eleição em 2018 e se elegeu com 24,8% dos votos do Espírito Santo. Foi eleito na onda de Bolsonaro, que fez com que diversos aliados estreantes conquistas­sem vagas no Legislativ­o.

Também costuma dar voz a teses bolsonaris­tas. No último dia 13, criticou o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), e acusou o governo federal de permitir as invasões e depredaçõe­s nas sedes dos três Poderes.

“Tanto ele como o presidente Lula sabiam de tudo e deixaram a tragédia acontecer. Pedirei seu afastament­o e a sua prisão”, escreveu nas redes sociais. Ele visitou bolsonaris­tas presos em Brasília após os ataques.

Do Val é militar do Exército e ganhou fama como instrutor de agentes de segurança pública e privada, inclusive de outros países. Durante a CPI da Pandemia no Senado, o parlamenta­r se notabilizo­u pela defesa enfática do governo Bolsonaro.

Marcos do Val irá renunciar ao cargo de senador?

Após anunciar em suas redes sociais que deixaria definitiva­mente a política, ele recuou e disse que agora irá pensar mais sobre o tema.

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Mauro Pimentel 2.out.22/afp Jair Bolsonaro e Daniel Silveira deixam local de votação no primeiro turno das eleições de 2022

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