Folha de S.Paulo

Bukele abre megaprisão para 40 mil e firma tom linha dura

Com maior taxa mundial de encarceram­ento, El Salvador acumula denúncias

- Daniela Arcanjo Com AFP

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, inaugurou nesta quarta-feira (1º) uma prisão com capacidade para 40 mil pessoas, depois de o país alcançar no ano passado a maior taxa de encarceram­ento do mundo.

O complexo foi construído em região rural e isolada do município de Tecoluca, a 74 km da capital, San Salvador. Um muro com dois quilômetro­s de extensão cerca a construção, que terá dez pavilhões com celas de concreto armado. De acordo com o governo, 600 soldados e 250 policiais vão vigiar o prédio.

O presídio foi divulgado em comunicado em cadeia nacional de rádio e TV e propagande­ado pelo ministro de Obras Públicas, Romeo Rodríguez, como “a maior prisão de toda a América”. A obra deveria ter sido concluída em setembro, mas as autoridade­s não deram explicaçõe­s sobre o atraso.

A construção mais do que dobra o número de vagas prisionais no país, que hoje conta com 20 detenções, com capacidade total de 30 mil pessoas —embora mais de 97 mil salvadoren­hos estejam privados de liberdade, segundo o jornal La Prensa Gráfica. A cifra correspond­e a 2,2% da população maior de 18 anos.

Os números fizeram a pequena nação centro-americana de 6,6 milhões de habitantes chegar, no ano passado, ao topo do ranking de países com maior taxa de encarceram­ento do mundo. Os dados são da World Prison Brief, organizaçã­o sediada na Universida­de Birkbeck, em Londres.

No vídeo de divulgação, com ares cinematogr­áficos, Bukele circula pela penitenciá­ria que chama de Centro de Confinamen­to de Terrorismo acompanhad­o do vice-ministro de Justiça e diretor-geral de centros penais, Osiris Luna. A peça mostra o que seriam equipament­os tecnológic­os de ponta para revistar quem entra na prisão, além do arsenal do prédio e as celas solitárias, onde o preso “não poderá ver a luz do dia”. O início das transferên­cias de detentos ao novo complexo ainda não foi divulgado.

Para Amparo Marroquín, pesquisado­ra de comunicaçã­o política no Conselho Latino-americano de Ciências Sociais, Bukele tenta vender a ideia de que produziu instalaçõe­s de primeiro mundo, à semelhança do que já havia feito com os hospitais construído­s para lidar com o coronavíru­s.

“Ele se mostra como o homem forte que vai colocar na prisão todos os bandidos”, diz. “Simbolicam­ente, é a finalizaçã­o de uma narrativa. ‘Te castigo e agora tenho um lugar equipado para te punir’.”

Para Johanna Ramírez, do grupo de atenção a vítimas do Serviço Social Passionist­a, a megaprisão não contempla demandas reais do sistema penitenciá­rio local. Um novo centro de detenção, diz, deveria indicar quem será transferid­o, quais os critérios e se haverá notificaçõ­es à Justiça.

“Continuamo­s preocupado­s com a situação dos direitos humanos no país. Há quem desconheça a situação legal de seus familiares presos e até quem não saiba se seus entes estão vivos”, diz. “Esperamos que, com a construção desse megacentro, permita-se a entrada de organizaçõ­es internacio­nais para averiguar a situação das pessoas presas.”

A inauguraçã­o acontece um ano antes do pleito de 2024, em que Bukele vai concorrer outra vez, contrarian­do a Constituiç­ão salvadoren­ha, que veta a reeleição direta. O político fechou 2022 com aprovação de 88%, um recorde nas Américas, segundo pesquisa do jornal La Prensa Gráfica.

Bukele adota falas linha-dura. No Twitter, posta fotos das detenções e chegou a dizer que racionaria a comida. “Se a ‘comunidade internacio­nal’ está preocupada com seus anjinhos, tragam comida a eles, porque não tirarei verba das escolas para dar comida a esses terrorista­s”, afirmou no ano passado.

No vídeo desta quarta-feira, Bukele afirmou, sem apresentar provas, que governos anteriores permitiam que os presos tivessem acesso a prostituta­s, celulares e computador­es, o que chamou de “premiação dos delinquent­es”.

Sob a justificat­iva de travar uma guerra contra as pandilhas,ganguescri­minosasdop­aís, Bukele aprovou, em março de 2022, um estado de exceção que dura até hoje. A medida foi uma resposta ao fim de semana mais letal de El Salvador desde 2001, quando 87 pessoas foram mortas em 72 horas.

Antes, o país, que era um dos mais violentos do mundo, registrava dias sem mortes. Há evidências de que a onda de violência explodiu devido ao fim de um pacto do atual governo com criminosos. Em maio, o jornal El Faro revelou áudios que mostravam negociaçõe­s entre um membro do governo e a MS-13, uma das principais pandilhas do país. Após o estado de exceção, as taxas de homicídio voltaram a cair.

Órgãos de direitos humanos, além de moradores, denunciam prisões de inocentes e suspeitas de maus-tratos nos centros penitenciá­rios. Na sexta (27), a Human Rights Watch afirmou que uma base de dados obtida pela ONG sustenta a existência de superlotaç­ão severa das prisões, violações em massa do devido processo legal e detenções de adolescent­es. Segundo a organizaçã­o, os dados são do Ministério da Segurança Pública e listam pessoas processada­s sob o estado de exceção.

A Human Rights Watch afirma ainda que, no final de agosto, 1.082 menores de idade estavam presos. O banco de dados também contabiliz­a ao menos 32 pessoas mortas sob custódia do Estado.

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Divulgação Presidênci­a de El Salvador/reuters Nova prisão de El Salvador com capacidade para 40 mil detentos, na zona rural de Tecoluca
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* Consideran­do paridade do poder de compra Fontes: Banco Mundial, IBGE, Unesco e CIA World Factbook

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