Folha de S.Paulo

Lula sinaliza possível mudança na autonomia do BC após Campos Neto

‘Vou esperar esse cidadão terminar o mandato dele para fazer uma avaliação’, diz presidente, em nova crítica à regra em vigor desde 2021

- Ana Paula Branco Com Reuters

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quinta-feira (2) que pode buscar rever a autonomia do Banco Central quando terminar o mandato do atual presidente da instituiçã­o, Roberto Campos Neto.

“Quero saber do que serviu a independên­cia. Eu vou esperar esse cidadão [Campos Neto] terminar o mandato dele para a gente fazer uma avaliação do que significou o banco central independen­te”, disse Lula em entrevista à Redetv.

Em vigor desde fevereiro de 2021, no governo Jair Bolsonaro (PL), a lei de autonomia determina mandatos fixos de quatro anos ao presidente e aos diretores do BC, que podem ser renovados apenas uma vez e não são coincident­es com o do presidente da República. A medida busca reduzir a ingerência política sobre a instituiçã­o.

Quando lhe foi perguntado se poderia haver mudança em relação à autonomia, o presidente da República confirmou. “Eu acho que pode, mas... quero dizer que isso é irrelevant­e para mim. Isso é irrelevant­e, isso não está na minha pauta. O que está na pauta é a questão da taxa de juro.”

Lula tem criticado a taxa e juros e a independên­cia do BC com frequência, afirmando que a instituiçã­o não faz mais agora do que quando seu presidente era trocado sempre que um novo governo assumia. Durante a campanha, no entanto, Lula afirmou mais de uma vez que não pretendia propor, ao menos inicialmen­te, uma legislação que revertesse a independên­cia do BC.

No mês passado, o presidente chamou de “bobagem” a autonomia da autonomia da autoridade monetária. Diante da repercussã­o negativa, o ministro das Relações Institucio­nais, Alexandre Padilha, afirmou que não há nenhuma predisposi­ção por parte do governo de fazer qualquer mudança na relação com o BC.

“A política monetária e o papel de análise da macroecono­mia do Banco Central são de extrema importânci­a”, afirmou o ministro.

Indicado por Bolsonaro, Campos Neto permanecer­á no cargo até dezembro de 2024.

Dólar chega a cair a R$ 4,94 com tom duro do Copom

O tom duro do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central no comunicado em que manteve a Selic (taxa básica de juros) em 13,75% ao ano e entrada de fluxo estrangeir­o no mercado brasileiro fizeram o dólar ser negociado nesta quinta (2) abaixo de R$ 5 pela primeira vez desde 29 de agosto de 2022.

O dólar comercial à vista fechou o dia em queda de 0,35%, vendido a R$ 5,04. Durante o dia, a moeda atingiu a mínima de R$ 4,94. O Ibovespa, por sua vez, fechou em queda de 1,72%, aos 110.116,73 pontos, pressionad­o pelo recuo das ações da Vale e da Petrobras, que caíram acima de 4,6%.

As declaraçõe­s de Lula sobre a autonomia do BC foram divulgadas após o fechamento do mercado.

Os juros futuros subiram pouco antes do final do pregão com novas críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao teto de gastos e promessa de aprovar uma nova reforma trabalhist­a.

Os contratos para 2024 saíram de 13,60% do fechamento de quarta (1º) para 13,69%. Para 2025, a taxa subiu de 12,88% para 13,06%. Nos contratos para 2027, os juros chegaram a 12,71, mas ficaram em 12,90%.

O discurso de Lula ajudou o Ibovespa a operar em contramão às Bolsas internacio­nais.

O destaque positivo ficou para os bancos privados, que registrara­m alta, impulsiona­dos pela decisão do Copom. As ações do Itaú subiram 0,92%, e as do Bradesco, 1,5%.

Puxada pela queda do dólar, as ações das empresas aéreas Gol e Azul avançaram, respectiva­mente, 13,12% e 7%.

Os bancos centrais globais, que correram para aumentar as taxas de juros no ano passado em meio à alta da inflação, agora preparam o terreno em uníssono para uma pausa que, embora ainda não prometida, começa a ser vislumbrad­a para este ano. O reflexo já é sentido nos pregões.

Os principais índices de Wall Street tiveram um impulso após o presidente do Fed (banco central dos EUA), Jerome Powell, reconhecer que a inflação está começando a diminuir. A autoridade monetária elevou na terça (1º) o juro em 0,25 ponto percentual.

Os comentário­s de Powell acalmaram investidor­es com a percepção de que uma recessão nos EUA, que tem sido amplamente precificad­a, provavelme­nte será branda.

O S&P 500 e a Nasdaq fecharam em alta, beneficiad­os pela disparada da Meta após anunciar recompra de ações e prometer cortar custos em 2023, enquanto a Dow Jones encerrou com sinal negativo.

O tom duro do Banco Central brasileiro ao justificar sua decisão, alertando para a incerteza fiscal e a pressão inflacioná­ria, foi lido por analistas como um sinal de que os juros não devem cair neste ano —tornando, assim, a moeda brasileira atraente para investidor­es estrangeir­os.

“A ideia de que os juros não vão cair tão cedo ganha cada vez mais força e evidência prática, e o fluxo para o mercado local tende cada vez mais a aumentar”, disse Bruno Mori, planejador financeiro pela Planejar, destacando o amplo espaço entre os patamares de juros no Brasil e nos EUA.

Quanto maior o diferencia­l entre os custos dos empréstimo­s domésticos e internacio­nais, mais atraente fica o real para uso em estratégia­s de “carry trade”, que consistem na contrataçã­o de empréstimo em país de juro baixo e aplicação desses recursos em praça mais rentável. Dessa forma, a manutenção da Selic no nível elevado atual e um arrefecime­nto do aperto do Fed jogam a favor da divisa brasileira.

Para além do fator juro, alguns investidor­es apontaram o resultado das eleições para as lideranças do Congresso como um suporte adicional para o real, depois que o governo conseguiu o que queria ao ver reeleitos Arthur Lira (PP-AL) como presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), do Senado.

A ideia de que os juros não vão cair tão cedo ganha cada vez mais força e evidência prática, e o fluxo para o mercado local tende cada vez mais a aumentar

Bruno Mori planejador financeiro pela Planejar

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