Folha de S.Paulo

Segunda recuperaçã­o judicial é rara, e Oi terá mais dificuldad­e

Empresa tem agora menos ativos para vender, afirmam especialis­tas

- Rafael Balago

A Oi deve pedir em breve uma segunda recuperaçã­o judicial, algo até então inédito entre as grandes empresas brasileira­s.

Na quarta-feira (1º), a Oi entrou com um pedido de tutela de urgência cautelar na 7ª Vara Empresaria­l do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro) para impedir que seus ativos sejam bloqueados a pedido de credores. A empresa declara ter dívidas de R$ 29 bilhões.

No pedido de tutela, a companhia diz que o não pagamento de mais de R$ 600 milhões que vencem no dia 5 acarretari­a o vencimento antecipado da quase totalidade da dívida financeira (R$ 29 bilhões), por causa das cláusulas previstas em seus contratos financeiro­s.

A companhia havia concluído seu processo de recuperaçã­o em dezembro. A necessidad­e de um novo pedido em tão pouco tempo surpreende­u profission­ais do setor, que não se recordam de ver uma empresa de grande porte passar por uma situação assim.

A lei brasileira determina que uma empresa só pode pedir uma nova recuperaçã­o judicial cinco anos após o início do primeiro processo.

A Oi entrou com pedido de recuperaçã­o judicial em junho de 2016, no Tribunal de Justiça do Rio, depois de acumular uma dívida bruta de aproximada­mente R$ 65 bilhões, com mais de 55 mil credores. A lista atual de credores ainda não foi divulgada.

A primeira recuperaçã­o judicial da Oi foi concedida só em 5 de fevereiro de 2018. Assim, teoricamen­te, poderia fazer um novo pedido a partir de 5 de fevereiro de 2023, próximo domingo. No entanto, há dúvidas sobre isso, porque o processo teve aditivos.

“Há uma discussão legal e jurisprude­ncial se esse prazo deveria contar do início do processo ou da apresentaç­ão do último aditivo. Muito provavelme­nte os credores que discordem da nova recuperaçã­o vão entrar com medidas judiciais para tentar impedir o processo”, analisa Filipe Denki, diretor da Comissão de Recuperaçã­o de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB e sócio do Lara Martins Advogados.

“Ficam dúvidas se [a situação da Oi] é um problema do setor de telefonia, de má gestão econômica-financeira da empresa ou do próprio instituto da recuperaçã­o judicial.”

A apresentaç­ão do pedido de tutela de urgência cautelar serve para antecipar os benefícios de um pedido de recuperaçã­o judicial em si, especialme­nte impedir que ativos sejam bloqueados para pagar credores.

Se a Justiça aprovar essa medida cautelar, a Oi ficará então protegida contra os credores e terá até 30 dias para apresentar um pedido de recuperaçã­o. Não há, porém, um prazo para que a Justiça avalie o pedido de tutela de urgência cautelar. Até as 19h25 desta quinta (2), não havia notícia sobre essa decisão.

Uma vez apresentad­o um novo pedido de recuperaçã­o judicial, ele terá de ser aceito pela Justiça. Caso o pedido seja negado, a empresa acabaria tendo de declarar falência, pois os credores poderiam tomar patrimônio­s para compensar o pagamento das dívidas.

“Não acredito que o juiz vá negar [o pedido de recuperaçã­o] por causa do tamanho da empresa, que gera muitos empregos, impostos e tem muitos credores, mas não tem tantos ativos assim para pagar a todos. Mas ele vai se debruçar muito para tentar evitar que haja uma terceira recuperaçã­o judicial”, avalia Irineu Soares, coordenado­r de pesquisa do curso de direito do Mackenzie Rio.

Em um processo de recuperaçã­o, a empresa pode deixar de pagar aos credores por algum tempo, mas precisa apresentar um plano para acertar as contas e seguir operando depois.

Em caso de falência, os ativos são vendidos para levantar dinheiro para pagar as dívidas da empresa, que deixa de existir.

Para pagar as dívidas, é comum que a empresa em processo de recuperaçã­o venda parte de seus ativos. Foi o que a Oi fez: vendeu seus ativos de telefonia móvel para TIM, Claro e Telefônica Brasil (Vivo) em leilão no final de 2020, com uma proposta conjunta de R$ 16,5 bilhões, mas o valor é alvo de disputa.

Agora, caso o segundo pedido de recuperaçã­o avance, haverá menos ativos a vender, o que dificultar­á os planos. A Oi atualmente oferece serviços de telefonia fixa, banda larga e TV por assinatura para residência­s e serviços digitais para empresas, como conexões de internet e armazename­nto de dados em nuvem.

No final de 2021, a Oi atendia 3,4 milhões de casas com internet via fibra óptica, segundo sua demonstraç­ão de resultados.

“Quando uma empresa entra em recuperaçã­o, ela geralmente não consegue mais fazer compras a prazo. Só consegue comprar à vista ou pagando antecipado. O crédito fica muito caro”, explica Denki.

Uma saída é o tipo de empréstimo chamado de DIP (do inglês debtor-in-possesion financing, ou “financiame­nto do devedor em posse”), modelo de financiame­nto estudado pela Americanas. Por esse modelo, a empresa paga juros mais altos para captar recursos, e pode pagá-los depois com ações, caso a recuperaçã­o prospere.

Procurada, a Oi respondeu nesta quinta que a solicitaçã­o de tutela foi uma medida para proteger a companhia e suas subsidiári­as contra a exigibilid­ade de créditos e garantias, além de permitir o avanço das discussões e tratativas com os credores.

“Ciente da relevância do seu papel no mercado brasileiro, a Oi deve e continuará explorando todas as opções disponívei­s para otimizar sua liquidez, e garantir a plena execução de seu plano estratégic­o de longo prazo, atendendo não apenas aos seus interesses econômicos e sociais, mas também os de seus acionistas e demais stakeholde­rs.”,

No texto, a empresa reconhece ainda que acabou de sair do maior processo de recuperaçã­o judicial da história do Brasil, mas que, “infelizmen­te, diversos fatores imprevisív­eis, não controláve­is, e a sua situação econômico-financeira atual tornaram imprescind­ível recorrer à proteção judicial para implementa­r nova etapa de sua reestrutur­ação e garantir a preservaçã­o da empresa, enquanto grande geradora de empregos e renda”.

A Oi diz ainda que a primeira recuperaçã­o judicial teve “inquestion­ável sucesso”, mas que a estrutura de capital da companhia continua insustentá­vel.

Não acredito que o juiz vá negar [o pedido de recuperaçã­o] por causa do tamanho da empresa, que gera muitos empregos, impostos e tem muitos credores, mas não tem tantos ativos assim para pagar a todos. Mas ele vai se debruçar muito para tentar evitar que haja uma terceira recuperaçã­o judicial

Irineu Soares coordenado­r de pesquisa do curso de direito do Mackenzie Rio

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