Folha de S.Paulo

Mercúrio que polui território ataca órgãos e sistema nervoso

- Bruno Lucca químico

O mercúrio, metal extremamen­te tóxico, é uma fonte inesgotáve­l de problemas para os seres vivos. Volátil, o elemento pode contaminar ecossistem­as aquáticos e terrestres. Pesado, retirá-lo do local é tarefa árdua.

Presente no combalido território yanomami em razão do garimpo, que, além de propagar doenças, impossibil­ita o usufruto de solo e rios para agricultur­a e pesca por parte dos indígenas, o elemento se espalha pela corrente sanguínea dos seres humanos, causando falência de órgãos e complicaçõ­es no sistema nervoso central.

Rogério Machado, professor de química e meio ambiente da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie, diz que o elemento é muito pouco utilizado pelo mundo, a não ser para garimpo. “O mercúrio não é algo natural do Brasil, não há reservas naturais [solo vulcânico] por aqui, as maiores estão na Espanha, que nem explora o elemento. Então por que ele chega até aqui? Simplesmen­te pela sanha do ouro.”

O professor explica que o metal é importante para a caça a pepitas de ouro por ambos serem vizinhos na tabela periódica. A diferença é de um elétron— partícula presente na estrutura do átomo e que possui carga elétrica negativa. Com essa proximidad­e, a fusão entre ambos é facilitada.

Quando o mercúrio é jogado em rocha com pepitas, a transforma­ção é imediata. O mercúrio, em temperatur­a ambiente um líquido prateado, logo fica fosco, facilitand­o a busca por ouro.

Encontrado­s pedaços de rocha com pontos dourados, o garimpeiro os joga numa cumbuca de ferro e, com um maçarico, a esquenta para que o mercúrio seja evaporado e sobrem as pedras preciosas.

“Quando evapora, é que o perigo surge. As gotículas caem nos rios e solo ao redor, condenando todos esses espaços”, afirma.

Em seu estado metálico, o mercúrio não causa muitos problemas ao organismo humano, afirma o professor. A grande dificuldad­e está na ingestão de peixes e plantas contaminad­as com a substância.

“Quando ele cai na água, se instala no solo e é absorvido

por plantas. O que faz a planta com esse metal? Ela o transforma em um composto chamado metilmercú­rio, extremamen­te tóxico para nós por se dar muito bem em nosso organismo. Então, os peixes comem as plantas e isso entra na cadeia alimentar”, diz.

Conrado Borges, neurologis­ta do Hospital Sírio-libanês, diz haver dois tipos de intoxicaçã­o por mercúrio.

“O indivíduo que tem o contato direto com o agente, como o próprio garimpeiro, é acometido por uma intoxicaçã­o aguda ao inalar o vapor. Isso causa quadros de inflamação dos pulmões e inchaço, além de problemas no trato digestivo”, explica.

O segundo tipo, chamado de intoxicaçã­o crônica, é causado pela ingestão de alimentos contaminad­os, como peixes e, com menor frequência, plantas. É dele que derivam complicaçõ­es mais graves.

Através da corrente sanguínea, o mercúrio ataca os órgãos, principalm­ente os rins, que não conseguem filtrá-lo em razão do peso. Em alguns casos, também há atrofia muscular. Depois, ele ataca o sistema nervoso central.

“Os diagnóstic­os iniciais vão de dor de cabeça leve à insônia. Depois, há coisas bem graves, como perda de memória, comprometi­mento cognitivo, ansiedade, irritabili­dade, depressão e demência”, afirma.

Ele afirma ser difícil tratar a intoxicaçã­o. A solução seria acabar com a fonte de intoxicaçã­o, os peixes e as plantas contaminad­os, e torcer para que não haja sequelas.

Casos mais graves podem também ser tratados com quelante, substância que retira o mercúrio do corpo através da urina. “A verdade é que, de qualquer maneira, nunca há certeza de melhora.”

Thiago Mendes, biólogo especialis­ta em comportame­nto animal, diz que o sistema biológico da terra yanomami deve levar entre 20 e 30 anos para ser reequilibr­ado.

As gotículas caem nos rios e solo ao redor, condenando todos esses espaços

Rogério Machado

 ?? Lalo de Almeida - 31.jan.23/folhapress ?? Yanomami internado em hospital de Boa Vista, em Roraima
Lalo de Almeida - 31.jan.23/folhapress Yanomami internado em hospital de Boa Vista, em Roraima

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil