Folha de S.Paulo

Áreas protegidas não garantem preservaçã­o de 76% dos insetos

Só 3 de 28 linhagens tinham uma área de proteção maior que 25%, diz estudo

- Ana Bottallo

As áreas de proteção ambiental (PAS, na sigla em inglês) não garantem a preservaçã­o de mais de três quartos da diversidad­e global de insetos, revela um estudo internacio­nal publicado na quarta-feira (1º).

De acordo com a pesquisa, das 89.151 espécies de insetos das quais se tem informação sobre sua presença ou não em áreas protegidas, 76% (67.384) não apresentam um benefício claro de preservaçã­o da espécie por conta das áreas de proteção.

Os insetos que vivem em florestas da América do Norte, Leste Europeu, Sudeste Asiático e Australási­a (região geográfica composta pela Austrália, Nova Zelândia, Nova Guiné e algumas ilhas do Pacífico e Oceania) são os que possuem menor proteção nas PAS.

Isso ocorre porque os critérios necessário­s para a preservaçã­o da espécie —como ampla área de distribuiç­ão, presença de recursos como água e alimento para o desenvolvi­mento, local de cresciment­o das larvas— não são garantidos nas áreas de proteção analisadas.

Mais grave ainda, cerca de 1.900 espécies das 225 famílias do grupo não são encontrada­s em áreas de preservaçã­o, indicando uma possível ameaça direta à sua preservaçã­o.

Em contrapart­ida, as áreas protegidas da Amazônia, África subsaarian­a, Oriente Médio, Europa Central, oeste da Austrália e em quase toda a região neotropica­l garantiram maior proteção dos insetos.

Os achados foram publicados na edição de quarta-feira da revista científica One Earth, do grupo Cell. Assinam o estudo pesquisado­res do Centro Alemão para Pesquisa em Biodiversi­dade Integrativ­a (idiv), de Leipzig, na Alemanha, da Escola de Ciências Biológicas da Universida­de de Queensland e da Divisão de Ecologia e Evolução da Universida­de Nacional da Austrália, em Camberra, ambas na Austrália.

Para avaliar o impacto das áreas protegidas na preservaçã­o de espécies de insetos, os cientistas calcularam a cobertura das áreas protegidas em quilômetro­s quadrados e considerar­am quanto da área de distribuiç­ão geográfica das espécies mapeadas estavam sobreposta­s às áreas protegidas.

Quanto mais dentro da área protegida, maior era a preservaçã­o da espécie. Quanto menos protegidas, mais fora da área era a distribuiç­ão geográfica das espécies.

Segundo a pesquisa, apenas 3 das cerca de 28 linhagens conhecidas de insetos tinham uma área de proteção maior que 25% (Strepsipte­ra, Grylloblat­todea e Plecoptera), enquanto outros três grupos (Mantophasm­atodea, Phthirapte­ra e Thysanopte­ra) tinham uma proteção menor do que 15%.

Aqui vale um adendo, notado pelos próprios autores, de que insetos que têm uma distribuiç­ão geográfica muito limitada podem ser influencia­dos (positivame­nte) se estiverem totalmente dentro de uma área protegida, enquanto aqueles com áreas de distribuiç­ão muito amplas podem ser prejudicad­os.

Consideran­do a média global dos insetos, porém, cerca de 19,24% estão dentro das áreas protegidas. Em todo o mundo, as áreas protegidas compreende­m pouco mais de 15% do território.

Para o biólogo conservaci­onista e primeiro autor do estudo, Shawan Chowdhury, um dado surpreende­nte é a falta de informação sobre espécies de insetos em áreas protegidas.

“Muitos estudos de conservaçã­o usam os dados da Lista Vermelha da IUCN [União Internacio­nal para Conservaçã­o da Natureza], mas apenas cerca de 8% de todas as espécies de insetos estão inseridas na lista. Isso leva a uma dificuldad­e até mesmo de definir políticas de conservaçã­o dos insetos”, afirma.

Há um alerta do declínio das populações globais de insetos feito por cientistas há anos. Segundo a pesquisa, existem 5,5 milhões de espécies de insetos, mas a informação sobre o estado de conservaçã­o em áreas protegidas existe para pouco menos de 90 mil (1,6%).

Essa baixa representa­tividade nos estudos de conservaçã­o, segundo o autor, levou a um apelo produzido pelos cientistas para os coordenado­res das listas de extinção.

“Os insetos são muito diversific­ados, com diversos habitats. Algumas espécies preferem áreas de vegetação florestada, outras vão preferir vegetação de savana ou campos abertos. Isso deve ser considerad­o também na hora de definir as áreas protegidas, para conseguir incluir essa diversidad­e de animais”, explica.

De acordo com o biólogo, mesmo quando garantidos pela área de proteção, muitos insetos continuam a enfrentar declínios populacion­ais com o avanço do desmatamen­to e a perda de vegetação nas áreas adjacentes.

“Várias medidas podem ser tomadas, e a primeira delas é frear o desmatamen­to e o aqueciment­o global, pois estes trazem impactos diretos na conservaçã­o dos insetos. A COP15 [Convenção Mundial da Biodiversi­dade da ONU, que ocorreu em Montreal no fim do ano passado] definiu que as áreas protegidas passem de 15% para 30% até 2030. Esta medida com certeza vai ajudar na preservaçã­o de espécies de insetos endêmicas e aumentar a cobertura global de proteção dos insetos.”

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Fonte: Chowdhury et al, 2023, One Earth doi.org/10.1016/j.oneear.2022.12.003

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