Folha de S.Paulo

Série sobre carreira de Maguila detalha derrota para Holyfield

Em dois episódios, documentár­io coloca dúvida sobre trabalho de treinador

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A série “Maguila, um lutador”, a ser exibida em dois episódios pela TV Cultura, divide a carreira de Adilson Rodrigues, o maior peso-pesado da história do boxe nacional, em dois momentos. O antes e o depois de 15 de julho de 1989, quando ele, então segundo no ranking do CMB (Conselho Mundial de Boxe), enfrentou o norte-mericano Evander Holyfield. O prêmio para o vencedor seria cruzar o caminho do, até então, campeão invicto Mike Tyson.

A derrota por nocaute no segundo round iniciou a espiral de decadência do brasileiro e teve como chave o momento mais controvers­o da história da modalidade no país: a ordem de Angelo Dundee, ex-técnico de Muhammad Ali, para Maguila partir para a troca de socos com o adversário mais ágil e potente.

Uma estratégia que mandou o sul-americano à lona, defendem os entrevista­dos para o documentár­io, que tem reportagem de Roberto Salim.

Dundee, morto em 2012, sai da série como o maior vilão da carreira de Rodrigues. O ex-empresário do atleta, José Francisco Leal, o Quico, coloca em dúvida até a honestidad­e do treinador.

“Até hoje a gente não se conforma com esse posicionam­ento do Dundee. Depois [houve] uma certa suspeição dele no córner de tática, mandando encurtar a distância quando talvez fosse a hora. [...] Ele tinha currículo suficiente para não ser enganado. Ficou a sensação de que foi mal conduzido e mal-intenciona­do”, afirma.

O primeiro episódio será exibido neste domingo (5), às 20h. O segundo, no dia 12, no mesmo horário. Cada um tem cerca de 30 minutos.

Adilson Maguila Rodrigues foi um fenômeno esportivo e midiático no Brasil entre os anos 1980 e 1990.

Com um cartel de 85 lutas entre 1983 e 2000, venceu 77 vezes, 61 delas por nocaute. A maioria obtida por causa de seu golpe de direita. Segundo o próprio lutador, em depoimento ao documentár­io, onde ele batia com a mão destra “não nascia mais cabelo”.

A série discute —além das entrevista­s folclórica­s de Maguila, que começou a trabalhar como pedreiro e esteve a ponto de disputar o cinturão mais cobiçado do boxe mundial— se a sua ascensão foi fabricada pela empresa de Quico e do narrador Luciano do Valle (1947-2014). As lutas eram a principal atração do “Show do Esporte”, programa dominical da Bandeirant­es que durava mais de oito horas.

O documentár­io não se furta a falar sobre os comentário­s da época, de que os rivais de Rodrigues eram escolhidos a dedo para não ameaçar a sua sequência de vitórias.

Salim, veterano de documentár­ios e programas para a ESPN, dedica mais tempo à histórica luta contra o norte-americano James “Quebra Ossos” Smith, realizada em 1987, no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo.

O tratamento dado é da grande exibição da carreira de Maguila, um cala-boca nos críticos. A não ser pela declaração do juiz Antônio Bernardo, o registro passa à margem da discussão sobre o resultado do combate. O brasileiro venceu por pontos, em uma decisão muito contestada.

Com sequelas do que é, segundo o médico Renato Anghinah, provavelme­nte uma encefalopa­tia traumática crônica, o ex-atleta vive em uma clínica no interior de São Paulo. A doença degenerati­va é causada por repetidos golpes na cabeça. Maguila fala vagarosame­nte e com o olhar perdido, mas dá depoimento sobre vários momentos da carreira de maneira lúcida e com a ajuda da mulher, Irani Pinheiro.

A contrataçã­o de Dundee para ser o técnico tinha como plano dar o passo seguinte na trajetória do brasileiro.

O lendário treinador fez fama por ter orientado Muhammad Ali. Pelos depoimento­s dos entrevista­dos, o trabalho do norte-americano foi uma decepção. Quem acompanhav­a os treinament­os de Maguila era um assistente.

Dundee chegava apenas dois ou três dias antes da luta. Mas nada se compara à ordem para Rodrigues ir para o ataque contra Holyfield no segundo round em Las Vegas, depois de ter vencido o primeiro por pontos. “Antes da luta, eu pedi para o Adilson não ir para cima”, afirma Irani.

A constataçã­o de Quico é que, apesar disso e em qualquer situação, Holyfield era um lutador superior e o combate não deveria ter ocorrido.

O documentár­io relata a deterioraç­ão técnica e física de Maguila a partir daquele momento, lembra outro nocaute traumatiza­nte sofrido (contra o norte-americano George Foreman), as lutas realizadas no Brasil sem o mesmo glamour de antes e as sombrias imagens da última vez que subiu ao ringue, para ser nocauteado por Daniel Frank, um desconheci­do peso-pesado com apenas três lutas anteriores como profission­al.

“Eu não sou sonhador. Acabou, acabou. Eu não vou nascer de novo”, resume o próprio Maguila sobre sua vida pós-pugilismo, já sem mandar abraços para várias pessoas em entrevista­s após os combates, o que era um dos componente­s do seu folclore.

Maguila, um lutador

Exibição: 5 e 12 de fevereiro, às 20h, na TV Cultura

“Eu não sou um sonhador. Acabou, acabou. Eu não vou nascer de novo

Adilson Maguila Rodrigues

ex-boxeador brasileiro

 ?? Ed Viggiani - 6.dez.1989/folhapress ?? Maguila durante entrevista para a Folha, em dezembro 1989
Ed Viggiani - 6.dez.1989/folhapress Maguila durante entrevista para a Folha, em dezembro 1989

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