‘Glass Onion’ exibe desfile de coquetéis como Cuban Breeze
Para minha surpresa, existe um Pastis 51. Mas a marca do aperitivo mais tomado na França não tem nada a ver com a rainha dos nossos botecos. Deparei com ela enquanto pesquisava sobre as bebidas tomadas em “Glass Onion: Um Mistério Knives Out”.
São muitas. O pastis é a preferência do detetive Benoit Blanc, interpretado por Daniel Craig, que parece estar se divertindo muito num papel bem diferente do seu Bond habitual.
Ele gosta de tomar o seu Ricard, rótulo bem mais conhecido, dias a fio na banheira, fugindo da vida. Toma com água, “évidemment”, o que deixa o aperitivo com aquela aparência leitosa.
Antes de me interessar pelo universo da coquetelaria, experimentei pastis sem água. Erro crasso. Na minha completa ignorância, detestei aquele gosto demasiado forte de anis e alcaçuz.
Tive a mesma reação com o arak, que é semelhante. E só não cuspi meu primeiro absinto porque tomei num bar em Praga, o Marquis de Sade, que o servia como reza o manual: com água e um cubo de açúcar. (O pastis, aliás, ganhou espaço depois da proibição do absinto.)
Isso faz bastante tempo. Hoje, em vez de atropelar etapas, me beneficio da “euforia da ignorância”, termo do historiador Carlo Ginzburg, citado no ótimo “A arte da biografia”, do Lira Neto. Quando se trata de bebida alcoólica, pesquiso com entusiasmo. Esta coluna surgiu assim.
Mas e o filme? Não chega a ser ruim como pastis sem água, mas também não está à altura do Lagavulin 16, clássico Islay single malt tomado, puro, pelo cientista Lionel Toussaint (Leslie Odom Jr.).
Ele é um dos convidados do bilionário da tecnologia Miles Bron (Edward Norton), que abre sua espetacular casa em forma de cebola numa ilha grega. Antes da ceia, e antes que o filme embarque num “whodunit” à Agatha Christie, ele prepara o drinque favorito de cada um. Para o espectador, a cena serve co
mo um “diga-me o que bebes e te direi quem és”.
Ele próprio se serve de um bourbon Bulleit com gelo, escolha simples e certa, de alguém afeito às tradições do país, ainda que pretenda inovar a vida no mundo com uma descoberta potencialmente catastrófica.
Claire Debella (Kathryn
Hann), governadora candidata ao senado, vai de Pinot Gris, vinho branco —na temperatura ambiente, por favor. Próprio de quem vive em ricos jantares de campanha e não quer se embriagar a ponto de se perder no jogo político.
A lista segue, com vodka, tequila, white russian, cerveja e whiskey com soda.
Mas o coquetel que chama a atenção, tanto pelo exotismo, que destoa das escolhas convencionais dos outros, quanto pela participação inesperada na trama, é o cuban breeze, preferência da ex-supermodel e designer de moda Birdie Jay, vivida “con gusto” por Kate Hudson.
É um derivado do greyhound, cape codder, salty bird e da categoria “breeze”, como o sea breeze e o bay breeze, drinques surgidos nos anos 1950 e 1960 para alavancar as vendas do suco de cranberry, que se revelou um ingrediente perfeito para misturar com gim e vodca.
Ou seja: a brisa deu certo. E continuou soprando até os topetudos anos 1980. Em todo caso, isso explica a quantidade de receitas desencontradas do cuban creeze. Mas, não se engane: o verdadeiro contém suco de abacaxi —às vezes é preparado na própria fruta. E é matador.