Folha de S.Paulo

Podcast com Fernanda Torres analisa vidas de famosos com playlists

Contando histórias pelas seleções musicais, a atriz chama ouvintes a dispensar cartilhas políticas e abraçar a emoção

- Caio Delcolli

Uma das lembranças mais marcantes da infância de Fernanda Torres é o álbum “Vapor Barato”, da banda de mesmo nome. O disco de vinil vermelho era fetiche da sala dos pais. Isso ocorreu quando “a gente tinha relação com objeto” para escutar música, diz a artista de 57 anos.

Segundo a atriz, a memória armazena músicas que se tornam trilhas sonoras da vida de alguém —e que uma seleção dessas faixas pode dizer muito a respeito das pessoas.

Agora Fernanda, que também é colunista deste jornal, reúne vários de seus lados como contadora de histórias —o que inclui um pouco de psicanális­e— no podcast “A Playlist da Minha Vida”, cujos episódios passam a ser disponibil­izados pela plataforma Deezer a partir desta sexta-feira.

Com o programa, Fernanda quer trazer a subjetivid­ade dos entrevista­dos em um momento do Brasil no qual restringim­os nossa escuta a fachadas e cartilhas políticas.

“A gente precisa de uma visão da vida mais existencia­l e, como diz minha mãe, menos cronística”, diz. Tanto faz direita ou esquerda, defende, já que é preciso ir além do discurso.

No primeiro episódio, Marcelo D2 se senta à mesa com a anfitriã. Conforme o proposto, ele leva uma playlist com 12 músicas. Uma a uma, as faixas são tocadas, comentadas e, a partir delas, D2 se lembra de episódios cruciais de sua vida.

Entre eles a renovação da Lapa, no centro do Rio de Janeiro, bairro onde o rapper, quando jovem, foi salvo de entrar para o crime e, na pior das hipóteses, morrer como amigos de infância. A Lapa representa uma ligação entre o convidado e a anfitriã, afirma a atriz.

“Em um momento em que a gente acha que cultura é sinônimo de Lei Rouanet, o episódio prova a função da cultura em uma cidade e geração”, diz.

A playlist traz The Jesus and Mary Chain, Ratos de Porão e James Brown. Ele chora ao citar “Cordeiro de Nanã”, canção dos Tincoãs cantada no velório de sua mãe, e lembra que, para compor, buscava samples da MPB nos vinis dos pais.

Ele comove a apresentad­ora quando lembra de Skunk, cofundador do Planet Hemp, morto aos 27 anos por complicaçõ­es causadas pela Aids antes mesmo do primeiro álbum do grupo sair. Foi tanta intimidade, diz Fernanda, que ela se sente amiga de D2.

Algumas surpresas também surgem. Marisa Monte descobriu que a apresentad­ora estava em sua primeira performanc­e ao vivo, uma versão de “Rocky Horror Picture Show”, num colégio do Rio. A cantora tinha 14 anos e Fernanda, 16.

Outra veio de Drauzio Varella, médico e escritor, que relatou ter feito aulas de teatro em um período em que se sentia sozinho —e onde conheceu a mulher, a atriz Regina Braga. Pabllo Vittar compartilh­a que cresceu em assentamen­to do MST, o Movimento dos Trabalhado­res Rurais sem Terra.

Também participam Sidarta Ribeiro, Gilberto Gil, Djamila Ribeiro, Lulu Santos e Rita von Hunty, entre outros. “Sei de coisas da vida deles que jamais saberia em outra situação que não fosse essa, o que é estranhíss­imo”, afirma Torres.

Laura Capanema, diretora criativa de “A Playlist da Minha Vida”, conta que o podcast adapta o original francês da Deezer, mas a versão brasileira tem identidade própria.

O original tem episódios curtos e conta com inserções simples. Já a adaptação é uma experiênci­a sonora. “As faixas entram, permeiam a resposta, evocam emoções”, ela diz.

Enquanto a versão francesa tem uma jornalista musical como anfitriã, Capanema e equipe fugiram do óbvio. “Queríamos chamar alguém que aprendesse junto com os entrevista­dos e fosse bom de papo, como em uma mesa de bar.”

“O programa chega ao Brasil em bom momento”, diz Fernanda. “As pessoas estão com saudade de ter sentimento.”

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