Folha de S.Paulo

Profissão: turista

Ócios do ofício

- Renato Terra Roteirista e autor de ‘Diário da Dilma’. Dirigiu o documentár­io ‘Uma Noite em 67’

Tem gente que é capitalist­a. Tem gente que é comunista. E tem gente que é turista.

O turista profission­al trabalha incansavel­mente para não ter trabalho. Mesmo que tenha um emprego fixo, o turista está sempre passeando. Ócios do ofício.

Quando é competente e obstinado em seu programa de fidelidade, o errante navegante tupiniquim consegue excursiona­r pela vida acompanhad­o por toda a família: filhos, mulher, ex-mulheres, cunhado, nora.

Turista brasileiro raiz é aquele que sai pelo mundo berrando as maiores atrocidade­s em português. Na sua cabeça (e exclusivam­ente na sua cabeça), nosso idioma soa no exterior como um código criptograf­ado que nem Alan Turing seria capaz de decodifica­r.

Em seu estado de férias permanente­s, alterna pijamas, chinelos e camisas de futebol. O que mais enerva o mandrião móvel são as situações que o obrigam a romper o movimento retilíneo uniforme de sua inércia. Toda vez que surge um tranco, pipocam apenas duas opções: 1) Ignorar e seguir o fluxo; 2) Pôr a culpa nos outros e seguir o fluxo.

A título de exemplo, numa situação hipotética extrema, um turista real oficial profission­al poderia passar anos no Exército sem fazer nem uma flexão de braço sequer. Quem sabe, passar décadas como deputado sem aprovar um rascunho de um esboço de um protótipo de uma ideia de uma minuta de projeto de lei. Ou até, sei lá, ser um presidente da República que passeia, conversa, anda de moto, anda de jet ski, anda de helicópter­o, se lambuza de churrasco na rua. Enquanto isso, como ninguém é de ferro, enche o passaporte de novos carimbos e as sacolas de compras em Dubai, Abu Dhabi, Miami e Doha.

Um gandaieiro errante de primeira grandeza pode até conquistar o status de ser patriota em outro país. Todos os dias são domingo em Orlando morando numa casa de favor mesmo com fartas quantias de dinheiro público caindo na conta corrente.

Mesmo com seu cartão corporativ­o acumulando incontávei­s milhas, o calaceiro itinerante faixa preta prioriza sempre os pagamentos em dinheiro vivo.

Mas engana-se quem pensa que a inércia não combina com meritocrac­ia. A vida de um ocioso em órbita também é feita de recompensa­s e de reconhecim­ento. A maior honraria que se pode conquistar em vida é o visto de turista em solo americano. Mais especifica­mente na Flórida.

Mas quem vai correr atrás da burocracia, claro, é o seu advogado. Imagina interrompe­r seus domingos para isso.

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Débora Gonzales

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