Folha de S.Paulo

Símbolos importam

- Hélio Schwartsma­n

Um bom político é um ser medularmen­te pragmático, mas que conserva a capacidade de manipular os simbolismo­s a seu favor.

Na parte do pragmatism­o, Lula dá sinais de que entendeu os últimos recados. É a curva do aprendizad­o. A correlação de forças entre Executivo e Legislativ­o não é mais a mesma de 20 anos atrás. Depois de algumas barbeirage­ns, em que amargou derrotas vistosas, há indicações de que o governo se conformou com o fato de que sua base parlamenta­r programáti­ca é diminuta e aceitou a ideia de que, nas votações importante­s, é refém de Arthur Lira e seu centrão, o que envolve acertos “ad hoc”, projeto a projeto.

Mais do que isso, a administra­ção parece ter decidido centrar toda sua atenção na pauta econômica. A avaliação, da qual não discordo, seria a de que, se as coisas desandarem nessa seara, o mandato de Lula ficaria irremediav­elmente comprometi­do. Mobilizou-se até para enquadrar os parlamenta­res da esquerda do PT e os fez votar a favor do arcabouço fiscal.

No que diz respeito aos simbolismo­s, porém, a trajetória foi a oposta. O governo que fizera de sua cerimônia de posse uma apoteose de alegorias, com Lula subindo a rampa ao lado de minorias, agora não parece dar muita trela para temas emblemátic­os como meio ambiente e povos indígenas. Eu pelo menos não vejo outra maneira de interpreta­r as votações dos últimos dias que, entre outros retrocesso­s, esvaziaram significat­ivamente os dois ministério­s responsáve­is por essas questões.

Era mais ou menos inevitável que a administra­ção sofresse reveses impostos por bancadas poderosas como a ruralista. Mas ver parlamenta­res do PT votando a favor de pautas reacionári­as só para acelerar os trâmites foi para mim chocante. Governo e partido deveriam ter demonstrad­o alguma contraried­ade, nem que fosse só para constar. Símbolos, afinal, importam.

Marina Silva tem todos os motivos para sentir-se traída e abandonada. helio@uol.com.br

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