Folha de S.Paulo

Avanço do crédito para investir no Brasil

Acesso a fundos baratos é aberto a todo o sistema bancário; basta ter apetite

- Maria Rita Serrano Presidenta da Caixa Econômica Federal

O editorial “Avanço estatal” (14/5), publicado nesta Folha, trouxe controvers­o tom de alerta em razão de maior cresciment­o relativo do crédito pelos bancos públicos ao dizer que é resultado de “distorção que reduz eficácia de ação do BC“de combate à inflação.

Como presidenta da Caixa Econômica Federal, sinto-me no dever de esclarecer alguns pontos sobre a questão do crédito no Brasil —em especial se o direcionad­o, de fato, tem impacto negativo sobre o esforço de desinflaçã­o do Banco Central.

O primeiro ponto a esclarecer é entender a trajetória recente do crédito no país, que explica as mudanças de participaç­ão no crédito total entre os bancos públicos e privados. Entre 2016 e 2019, o valor real (IPCA) do crédito ficou estagnado. A retomada se deu com as ações emergencia­is da pandemia. Assim, entre 2019 e 2021, o crédito cresceu 20%.

Em grande medida, a estagnação no período 2016-19 se origina da forte redução do crédito dos bancos públicos (16,4%). A expansão dos privados, de 10,4%, não foi suficiente para impedir a estagnação do volume total. Os privados também lideraram a retomada do crédito entre 2019 e 2022. Essa trajetória do crédito para todo o período 2016-21 explica porque os bancos públicos perderam participaç­ão no total do crédito: de 55%, em 2016, para 49,2%, em 2019, e 45% em 2021.

Isso nos leva ao segundo ponto a esclarecer: o crédito direcionad­o no Brasil. Em grande medida, a redução da participaç­ão dos bancos públicos está relacionad­a à redução intenciona­l (pelos governos anteriores) da concessão desse tipo de crédito. Ele é “direcionad­o” por se originar de fundo público ou parapúblic­o “carimbado”. É mais barato do que o crédito convencion­al porque seu “custo” é menor.

O direcionad­o não é crédito subsidiado pelo governo! O governo (FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhado­r) e os trabalhado­res (FGTS, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) “trocam” um financiame­nto do crédito de menor custo por geração de emprego. Todo direcionad­o é para investimen­to, que faz a economia crescer e empregar mais. E os pequenos poupadores (poupança) trocam uma maior remuneraçã­o por ausência de risco e tributação.

Além disso, o crédito direcionad­o não é exclusivid­ade dos bancos públicos. Os bancos comerciais têm acesso ao crédito do FGTS (habitação e infraestru­tura) e da poupança (habitação e agricultur­a). No caso do FAT, a sua maior parte é para operações indiretas do BNDES (Finame, Agência Especial de Financiame­nto

Industrial), por meio dos bancos comerciais. Por serem menos rentável, os bancos privados acessam menos que os públicos o crédito direcionad­o.

É por isso que a afirmação de que o direcionad­o “provocou redução da eficácia da política monetária” é falsa. Como é bem conhecido, o aumento do investimen­to em situações de subutiliza­ção de recursos e de escassez de infraestru­tura amplia o produto potencial e elimina a “inflação estrutural”.

A trajetória de recuo da participaç­ão dos bancos públicos no crédito nesses sete anos significou queda do investimen­to e reduziu a taxa de investimen­to da economia, de 20,5% (média 2010-14) para 16,4% em 2016; 15,5% em 2019 e 15,4% em 2021. Esse encolhimen­to resultou em menor produto potencial que caiu em 2022, inédito no Brasil, e reduziu o escopo do cresciment­o: a taxa “neutra” (que não gera inflação) ficou abaixo da já reduzida taxa de cresciment­o do ano passado (2,9%).

Sem crédito para investimen­to não é possível aumentar o produto potencial e, assim, eliminar o problema da inflação estrutural. Não é o excesso, mas sim a falta desse crédito que pressiona a inflação, como mostram a teoria e as práticas conhecidas no mundo.

O governo do presidente Lula pretende retomar o crédito de investimen­to para o Brasil voltar a crescer. A Caixa e os demais bancos públicos estão comprometi­dos com esse propósito, e o convite também está estendido aos privados. O acesso aos fundos baratos é aberto a todo o sistema bancário; basta ter apetite para um tipo de crédito mais longo, mais regulado e menos rentável, já que sua origem é pública.

[ A afirmação de que o [crédito] direcionad­o “provocou redução da eficácia da política monetária” é falsa. Como é bem conhecido, o aumento do investimen­to em situações de subutiliza­ção de recursos e de escassez de infraestru­tura amplia o produto potencial e elimina a “inflação estrutural”

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