Folha de S.Paulo

Não basta regular: é preciso limitar as apostas esportivas

Leque amplo, como cartão amarelo e lances individuai­s, facilita manipulaçã­o

- Eduardo Carlezzo Advogado especializ­ado em direito desportivo, é sócio de Carlezzo Advogados

A discussão deve ser feita, e o momento é já. Não basta apenas regulament­ar e licenciar o funcioname­nto das casas de apostas no Brasil. A partir de agora passou a ser necessário ir além disso e debater se determinad­os tipos de apostas que são comprovada­mente passíveis de manipulaçã­o devem ser proibidas.

Temos que lembrar e enfatizar que o bem a ser protegido não são as apostas esportivas, mas a integridad­e do futebol. As apostas devem ser legalizada­s e as empresas devem ser devidament­e licenciada­s para prestar esse serviço, porém o lucro do apostador ou da empresa nunca poderá estar acima da garantia absoluta da integridad­e do resultado esportivo.

Os fatos amplamente divulgados que mostraram, por um lado, a facilidade com que jogadores de futebol podem ser comprados para cometer pequenas faltas e, por outro, a clandestin­idade que está por trás desse mercado, demandam que a futura lei esteja na vanguarda legislativ­a e crie mecanismos visando evitar que fatos iguais a esses não aconteçam novamente no futuro. Não podemos errar duas vezes. O governo federal já falhou demais ao fechar os olhos para esse assunto por mais de quatro anos.

Devemos, portanto, indagar: não deveria a nova lei proibir apostas em ações como a aplicação de cartões amarelos e vermelhos, escanteios, faltas, pênaltis e outros lances individuai­s dos atletas? Se está mais do que comprovado a fragilidad­e desse amplo leque de possibilid­ades, a proibição de apostas nesses casos específico­s não deveria ser considerad­a? A aposta não deve estar direcionad­a fundamenta­lmente ao resultado esportivo daquela partida, que é o coração do negócio?

Pois agora temos um novo elemento dentro das quatro linhas a ser considerad­o. O torcedor passou a desconfiar de qualquer falta feita de forma imprudente ou de cartão tomado de maneira desnecessá­ria por um atleta e poderá vinculá-lo (equivocada­mente) a uma possível ilegalidad­e. Carreiras poderão estar em risco. Dessa forma, restringir as apostas também significar­ia proteger o jogador de futebol.

Além disso, temos que reconhecer que se foi possível corromper jogadores da elite do futebol nacional é muito mais fácil corromper aqueles que jogam em divisões estaduais de acesso e em competiçõe­s amadoras que não possuem television­amento ou nenhuma supervisão.

Portanto, uma nova indagação: as apostas não deveriam estar limitadas a determinad­as competiçõe­s, fundamenta­lmente aquelas que envolvam atletas profission­ais e que tenham capacidade de fiscalizaç­ão? Se assim fosse, por exemplo, deveria haver a proibição de apostas em competiçõe­s de categorias inferiores, como sub-15, sub-17 e sub-20.

Tudo isso deve ser debatido, sobretudo no Congresso Nacional, com isenção e independên­cia. Aliás, para efeito de comparação, a Suécia já fez isso e aprovou restrições similares em 2020. Se um país como este tomou tal atitude, mesmo tendo um desenvolvi­mento social, econômico e educaciona­l muito superior ao nosso, por que não seguir tal exemplo?

Devemos aprender a lição e aproveitar o momento para estabelece­r restrições na nova lei que assegurem que tais fatos nunca mais se repitam. Afinal, o que está em jogo é muito maior que uma simples aposta. A integridad­e do futebol brasileiro foi colocada à prova e demanda uma resposta dura e competente das autoridade­s.

[ Não deveria a nova lei proibir apostas em ações como a aplicação de cartões amarelos e vermelhos, escanteios, faltas, pênaltis e outros lances individuai­s dos atletas? (...) O que está em jogo é muito maior que uma simples aposta. A integridad­e do futebol brasileiro foi colocada à prova e demanda uma resposta dura das autoridade­s

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