Folha de S.Paulo

6 em cada 10 brasileiro­s querem mais políticas para migrantes, diz Datafolha

Pesquisa mostra visão positiva sobre migração, mas especialis­tas fazem alerta sobre desinforma­ção

- Mayara Paixão

Pesquisa realizada de forma virtual com mil brasileiro­s mostra que a maioria diz pensar que os migrantes que chegam ao país são bem acolhidos, diz defender a criação de mais políticas para a área e diz reconhecer que raça e cor fazem diferença na receptivid­ade.

O levantamen­to Datafolha foi feito a pedido da Conectas Direitos Humanos em julho e agosto passados e divulgado nesta quinta-feira (25), na semana em que se comemoram seis anos da Lei da Migração —mecanismo que, elogiado internacio­nalmente, ainda contém desafios.

De acordo com a pesquisa, 83% dos respondent­es dizem acreditar que migrantes vindos de países ricos são bem recebidos no Brasil. E a percepção muda pouco em relação aos de nações pobres: 80%. A margem de erro é de 3 pontos percentuai­s para mais ou para menos.

Essa opinião predominan­temente positiva da migração surpreende­u especialis­tas e aparece também nos 39% que dizem que o país deveria abrir as portas para ainda mais pessoas —outros 29%, por outro lado, dizem que o Brasil deveria receber menos ou parar de recebê-las.

Ou ainda nos 61% que afirmam que o governo deveria ter mais políticas e ações para receber pessoas em situação de vulnerabil­idade social que chegam de outros países.

A amostra dos entrevista­dos estava previament­e cadastrada para responder a pesquisas do tipo, o que, segundo estatístic­os, traz um grupo de respondent­es com mais informaçõe­s sobre o assunto. Boa parte dos entrevista­dos também é do Sudeste (47%), enquanto menos de 15% estão no Norte, região mais pressionad­a pela entrada de migrantes venezuelan­os pela fronteira com a nação vizinha.

Se, por um lado, a pesquisa esboça que há legitimida­de popular para que melhores políticas migratória­s sejam pleiteadas do governo, há um diagnóstic­o de como o tema está permeado de desinforma­ção. “Há uma clara questão que passa pela falta de informação das pessoas sobre migração, são dados pouco publicizad­os”, diz Marina Rongo, assessora da Conectas Direitos Humanos.

A maioria dos entrevista­dos diz acreditar que mais de 10% da população brasileira atual é formada por imigrantes — ainda que defasados, dados da Polícia Federal mostram que a parcela real está entre 0,4% e pouco mais de 1%.

Há ainda uma percepção de que o fluxo migratório está intensific­ado: 82% dizem que o número de migrantes que vieram nos últimos três anos aumentou (para 49%, aumentou muito). Números do Portal de Migração mostram que a média anual de imigrantes residentes e temporário­s que entraram no Brasil nos últimos cinco anos é de 122 mil, enquanto no mesmo período anterior era de 107 mil.

A maior diferença, porém, é observada no número de refugiados: enquanto no ano passado houve 49.206 solicitaçõ­es de refúgio no Brasil, em sua maioria dos que fogem da crise na Venezuela, há dez anos eram 6.810.

O levantamen­to Datafolha mostra ainda que há uma consciênci­a sobre o peso que raça e cor têm na receptivid­ade aos imigrantes. Para 23%, a forma como essas pessoas são acolhidas depende muito desses fatores —para outros 38%, no entanto, não depende em nada disso.

Para 62%, um dos fatores que atraem migrantes é o fato de o Brasil ser acolhedor. “A construção da imagem de um Brasil do acolhiment­o, porém, é muito dissociada da ideia de construção de políticas públicas”, diz João Carlos Jarochinsk­i, professor da Universida­de Federal de Roraima. “As pessoas não têm muita clareza do que são políticas para migrantes —dedicar parte do Orçamento a esse público.”

A leitura da pesquisa surpreende­u acadêmicos do setor de maneira positiva, e Jarochinsk­i afirma ser preciso levar em conta o espaço que a agenda anti-imigração tem no país —hoje, pequeno.

“A pauta de migração, por mais que tenha aparecido nos movimentos de extrema direita devido à resposta de acolhiment­o aos refugiados venezuelan­os, estava de forma incipiente. Diferente do que vimos na ultradirei­ta em outros lugares do mundo, onde a pauta anti-imigração é repertório muito mais presente.”

Ainda assim, a xenofobia, discrimina­ção contra uma pessoa devido à sua origem, ainda é uma prática corrente no país, mesmo que as denúncias sejam reconhecid­amente subnotific­adas.

Dados do Disque 100, canal de denúncias de violações de direitos humanos, mostram que, de janeiro até o último dia 15, foram feitas 343 denúncias de discrimina­ção motivada pelo local de origem da vítima. Em 2022, foram 622 denúncias do tipo, e, em 2021, 687.

Nesta semana, a Lei de Migração, mecanismo elogiado em espaços como a ONU e a CPLP, comunidade que o Brasil divide com os outros oito países lusófonos, completa seis anos desde sua promulgaçã­o. A regulament­ação do aparato, porém, ainda é alvo de muitas críticas.

Apenas há poucos meses, em fevereiro, o governo abriu espaço para que uma das principais diretrizes da lei, a criação de uma política nacional para migrações e refúgio, saia do papel, ao criar um grupo de trabalho com especialis­tas para rascunhar o projeto.

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Bruno Santos - 16.set.22/folhapress Refugiados do Afeganistã­o no Aeroporto Internacio­nal de Guarulhos

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