Lula mira classe C e dá sinal de que desigualdade não cai tão cedo

Quando um governo de esquerda abre mão de arrecadar impostos para beneficiar quem tem até R$ 120 mil para comprar um automóvel, passa um claro sinal de que a horrível desigualdade brasileira não cairá tão cedo.

A nova medida do governo Lula (PT) não faz sentido num país onde o rendimento domiciliar per capita da metade mais pobre da população limitou-se a R$ 537 no ano passado. Numa conta simples, uma família de quatro pessoas nesse patamar levaria mais de dois anos e meio, sem gastar um centavo com nada mais, para comprar um carro “popular” de R$ 70 mil.

Lembrando que o rendimento de R$ 537 per capita só atingiu esse nível porque o país triplicou o valor do Bolsa Família em relação ao pré-pandemia. Isso custará, anualmente, R$ 175 bilhões, que deveriam vir dos mesmos impostos de que o governo agora abre mão para privilegiar as camadas mais ricas.

Adicionalmente, mesmo com o novo arcabouço fiscal, Lula terá de ampliar em cerca de R$ 150 bilhões a arrecadação para estabilizar as contas e a dívida públicas. Sem isso, são os mesmos 50% mais pobres que continuarão sofrendo mais com inflação e juros elevados, que contêm a atividade e o emprego.

Na contramão do ajuste das contas públicas, Lula abrirá mão de IPI e PIS/ Cofins para os mais ricos e uma indústria cada vez mais automatizada, com menos empregos. Pode haver bons motivos, porém.

Análise do resultado da eleição sugere que a classe C foi crucial para a votação expressiva de Bolsonaro em 2022, que perdeu para Lula por 2,1 milhões de votos. Pesquisa Datafolha na véspera do segundo turno indicou que 51% dos eleitores com renda familiar entre 2 e 5 salários mínimos (a classe C, segundo critério de consultorias) votariam em Bolsonaro (ante 42% em Lula).

Cruzando o resultado da eleição por estado, constata-se que, com poucas exceções, onde a classe C é maior, mais votos teve Bolsonaro. Segundo a consultoria Plano CDE, a classe C é a mais numerosa, com 95,6 milhões de pessoas. A classe D/E agrega outros 70,5 milhões e a A/B, 46,4 milhões.

Com o Bolsa Família turbinado, Lula possivelmente já está contando com o reforço do apoio dos mais pobres, que o ajudaram a vencer. Agora, o incentivo ao carro “popular” junta-se à promessa de isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5.000, o grosso na classe C.

Nessa estrada em busca de maior apoio, o combate à desigualdade espera no acostamento.

Medida não faz sentido num país onde o rendimento domiciliar per capita da metade mais pobre da população limitouse a R$ 537 em 2022