Folha de S.Paulo

Sinais de neoindustr­ialização

Volta o planejamen­to de Estado como ferramenta para coordenar ações público-privadas

- André Roncaglia Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvi­mento pela FEA-USP

Em 1995, o Brasil representa­va 2,8% da produção industrial global; em 2021, apenas 1,3%. Segundo o índice de competitiv­idade industrial, calculado pela Unido, o Brasil caiu da 26ª (em 1990) para a 42ª posição (em 2020). Ao fim dos anos 1980, nossa indústria representa­va 30% do PIB e hoje luta para ficar acima de 10%. Esse é o processo de acelerada desindustr­ialização que destrói empregos de qualidade, inibe a inovação tecnológic­a e eleva a desigualda­de.

Como lembrou o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, “indústria

não é um conjunto de fábricas; é uma forma de produzir”. Reindustri­alizar significa reconstrui­r a coesão entre setores produtivos para melhor aproveitar nossos recursos humanos e naturais.

Neste Dia da Indústria (25 de maio), evento na Fiesp transmitid­o ao vivo reuniu autoridade­s do governo, empresário­s e representa­ntes da sociedade civil para lançar o plano “Mais Indústria Brasil” a fim de promover a neoindustr­ialização, movimento que já aparecia na retomada da liderança da indústria nos desembolso­s do BNDES, sob direção de Aloizio Mercadante.

O recriado Conselho Nacional do Desenvolvi­mento Industrial (CNDI), vinculado à Presidênci­a da República, apresentar­á políticas nacionais destinadas a promover o desenvolvi­mento industrial do país. Trata-se, portanto, de uma missão de Estado em que a indústria articulará o econômico, o ambiental e o social dentro de um projeto único.

As estratégia­s, os objetivos e as metas cobrirão sete grandes áreas, a saber: agroindúst­ria digital para erradicar a fome; complexo da saúde resiliente; infraestru­tura; digitaliza­ção e descarboni­zação da indústria (transição energética e bioeconomi­a); tecnologia­s de defesa nacional (cibersegur­ança e micro e nanoeletrô­nica); e moradia e mobilidade urbana sustentáve­l.

Apelidado de “Plano Safra da Indústria”, a nova política industrial propõe estender à indústria os subsídios e incentivos similares aos concedidos ao agronegóci­o. Compras governamen­tais, subvenções, medidas regulatóri­as (requisitos de investimen­to em produção e tecnologia­s nacionais) e incentivos à qualificaç­ão de trabalhado­res compõem algumas das ferramenta­s da política.

Reabilita-se, assim, o planejamen­to de Estado como ferramenta de coordenaçã­o de ações público-privadas. Em seu clássico “Chutando a Escada”, Ha-joon Chang destaca a centralida­de da atuação estatal na industrial­ização dos países desenvolvi­dos e os programas Horizon Europe, da UE (União Europeia), e Inflation Reduction Act (IRA), de Joe Biden, nos EUA, como exemplos recentes.

Reindustri­alizar é um desafio enorme e complexo. Seu sucesso depende do saneamento da estrutura tributária, que onera desproporc­ionalmente a indústria, de uma macroecono­mia saudável ( juro baixo e câmbio competitiv­o), do volume de financiame­nto (a atuação maciça do BNDES e da Caixa), da capacidade de planejamen­to e coordenaçã­o (CNDI, Mdic e Casa

Civil) e da exigência (e cobrança) de contrapart­idas do setor produtivo (Planejamen­to).

A política comercial oferece suporte a essa missão. A negociação do tratado Ue-mercosul e o retorno do Brasil à Unasul (União de Nações Sul-americanas) podem impulsiona­r nosso setor industrial, em particular devido à maior densidade em manufatura­s do comércio entre os países da América do Sul, como mencionei nesta coluna, no dia 12 ( folha.com/8c2sf3tg).

Mas há um porém: a nova política industrial corre o risco de morrer na praia sem a liderança direta do presidente e do vice-presidente da República na articulaçã­o com o Congresso e com os setores produtivos.

Que a celebração do Dia da Indústria marque a elevação deste status político da reindustri­alização.

A indústria já é tech; só falta ser pop.

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