Lula se sentiu traído por Marina em decisão do Ibama, dizem interlocutores
Presidente não teria sido informado que órgão negaria licença para exploração na foz do Amazonas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se sentiu traído com a publicação da decisão do Ibama que negou o licenciamento ambiental para a perfuração de poço de petróleo pela Petrobras na foz do Amazonas.
Lula esperava que a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) o informasse previamente sobre a decisão, para que ele pudesse costurar uma saída política para a questão junto ao Ministério de Minas e Energia.
A informação foi confirmada por interlocutores do Ministério do Meio Ambiente, do partido de Lula e da presidência da Petrobras.
Marina, no entanto, insistiu que a decisão do Ibama seria técnica e não estaria sujeita a ingerência política.
A decisão foi publicada em 17 de maio, quando Lula estava no Japão para o encontro do G7. Os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia) precisaram aguardar o retorno do presidente ao país para tentar reverter a situação, o que aumentou o custo político da mediação com o Meio Ambiente, inspirando a fritura de Marina Silva.
Segundo fontes do governo, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, deve mediar um acordo entre a pasta de Minas e Energia, o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama, que deve ser assinado por Lula.
A Petrobras pretende apresentar ainda nesta semana um recurso ao Ibama para tentar reverter a decisão, mas o presidente da empresa, Jean Paul Prates, deve manter uma postura neutra na briga política.
Há pouco espaço de negociação para o Meio Ambiente em um possível acordo, que já conta com o alinhamento entre Minas e Energia e a Casa Civil, na avaliação de interlocutores da pasta ambiental.
Os três ministros e o presidente do Ibama já se reuniram na última terça-feira (23) no Planalto, quando o Ministério do Meio Ambiente reforçou a posição de que a decisão do Ibama era técnica e precisava ser obedecida —o que significa, na prática, que o Ministério de Minas e Energia deve providenciar a AAAS (Avaliação Ambiental de Área Sedimentar) como condição para avançar no licenciamento.
No dia seguinte ao encontro dos ministros, a comissão mista do Congresso aprovou a medida provisória 1.154, com um esvaziamento da pasta do Meio Ambiente.
A proposta, que segue para o plenário da Câmara, transfere a outros ministérios competências típicas da do Ministério do Meio Ambiente, como o administração do CAR (Cadastro Ambiental Rural), da ANA (Agência Nacional de Águas) e dos sistemas de gestão de resíduos sólidos e saneamento básico.
A sequência dos eventos foi lida por interlocutores da pasta ambiental como um jogo combinado para desgastar o nome de Marina, visto por aliados políticos do presidente como obstáculo aos projetos do governo.
‘Esquartejamento’ da política ambiental é criticado em carta
Um manifesto assinado por 790 entidades —entre ONGS, universidades, movimentos sociais e associações— pede a líderes políticos em Brasília que corrijam equívocos na MP 1.154, cuja versão aprovada pela comissão mista do Congresso na quarta-feira (24) esvaziou o MMA (Ministério do Meio Ambiente) e o MPI (Ministérios dos Povos Indígenas).
“Votar a favor desses equívocos significa apoiar a diminuição da capacidade de o Brasil combater o desmatamento, de assegurar o equilíbrio no uso múltiplo das águas e de garantir a efetividade dos direitos constitucionais dos povos indígenas e a tutela dos direitos humanos”, diz a carta.
“Não há qualquer razão administrativa que justifique o esquartejamento do MMA e a redução de poder do MPI”, diz trecho do texto.
Os pontos criticados são a retirada de competências do MMA sobre o CAR (Cadastro Ambiental Rural), a ANA (Agência Nacional de Águas) e a gestão de resíduos sólidos e saneamento, além de perda de duas atribuições fundamentais do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas: a demarcação de terras indígenas e a administração da Funai.
A aprovação do texto contou com o apoio do governo, o que abriu a porta para outras duas pautas antiambientais. Também na quarta-feira (24), a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para a tramitação do PL 490, que estabelece um marco temporal para o reconhecimento de terras indígenas.
Os deputados também voltaram a incluir emendas antiambientais na MP 1.150, que foi aprovada pelo plenário da Câmara com uma flexibilização da Lei da Mata Atlântica — trecho que havia sido retirado da matéria no Senado. A MP vai para a sanção presidencial.
No Twitter, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou que o presidente Lula deve vetar o trecho que flexibiliza a lei.
O tuíte de Hoffmann, no entanto, só veio após uma avalanche de críticas ao PT. Na noite de quarta-feira, a página da bancada petista no Senado comemorou a aprovação da MP 1.154 pela comissão mista. “Vitória!”, afirmou o partido no Twitter, gerando indignação de apoiadores, especialmente da ala ambientalista.
“Podiam fingir revolta, hein”, comentou o perfil do Observatório do Clima, rede de mais de 90 organizações socioambientais, em resposta ao tuíte petista. Nesta quinta (25), Gleisi recorreu também ao Twitter para redirecionar o partido.
“Sobre o atraso ocorrido ontem no Congresso, vamos trabalhar para que seja revertido. Se for preciso, vamos ao STF para reaver a estrutura do meio ambiente e povos indígenas”, ela afirmou. No mesmo tuíte, a presidente do PT afirma que o partido fará pressão contrária ao PL 490.
O conjunto de aprovações antiambientais no mesmo dia chocou ambientalistas também internacionalmente. “Se o meio ambiente e a proteção aos direitos indígenas estão ameaçados, eu fico imaginando quão confiável é o compromisso de Lula”, afirmou à Folha a eurodeputada alemã Anna Cavazzini, vice-presidente da delegação para relações com o Brasil no Parlamento Europeu.
Outra manifestação, assinada pelas entidades que compõem o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), afirma que as medidas antiambientais aprovadas pelo Congresso atendem “aos interesses de diversos setores econômicos e políticos que estão presos a um passado associado à degradação e negação da gravidade das crises ambientais”.
Os parlamentares reunidos na frente parlamentar dos povos indígenas também se pronunciaram por carta, reunindo centenas de assinaturas de entidades e pessoas físicas.
“Defendemos a necessidade de manutenção do texto original da medida provisória 1.154/23. Medida contrária irá inviabilizar a retomada das políticas públicas brasileiras, imprescindíveis para a garantia dos direitos da sociedade sobre o meio ambiente e dos direitos de povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais”, diz a carta.
Se o meio ambiente e a proteção aos direitos indígenas estão ameaçados, eu fico imaginando quão confiável é o compromisso de Lula
Anna Cavazzini vice-presidente da delegação para relações com o Brasil no Parlamento Europeu