Folha de S.Paulo

Indígenas cobram ação para barrar esvaziamen­to de ministério

- Carlos Petrocilo Colaboraçã­o João Gabriel, de Brasília

Vemos este Congresso promovendo um verdadeiro ataque, num país que levou 523 anos para reconhecer a importânci­a dos povos indígenas

Sônia Guajajara ministra dos Povos Indígenas

Lideranças indígenas cobram do presidente Lula (PT) empenho para reverter a decisão do Congresso Nacional que implode o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas.

Entidades e lideranças reagiram com indignação à MP (Medida Provisória), aprovada nesta quarta-feira (24), na qual retira da pasta a demarcação de novas terras indígenas e transfere para o Ministério da Justiça.

A própria ministra Sônia Guajajara recordou, em posicionam­ento publicado no site da pasta, que Lula levou a pauta indígena para o centro de sua campanha eleitoral, em 2022. “Agora nós vemos este Congresso promovendo um verdadeiro ataque, num país que levou 523 anos para reconhecer a importânci­a dos povos indígenas e menos de cinco meses para tentar nos calar e tutelar novamente”, afirmou.

Nesta quinta-feira (25), entidades que lutam pelo direito dos indígenas, acompanhad­as por movimentos sociais e ambientali­stas, se reuniram em Brasília para discutir estratégia­s que devem ser tomadas na tentativa de reverter a decisão do Congresso.

Os movimentos também se manifestar­am em nota com tom crítico e de cobrança ao Executivo.

Para Beto Marujo, membro da Coordenaçã­o da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), se a MP for aprovada, o Ministério dos Povos Indígenas será uma instância do governo “sem nenhuma efetividad­e”.

“Lula, por estar acuado com pautas de interesse do governo, abriu mão de questões importante­s do meio ambiente e dos direitos indígenas, como forma de negociação. É um retrocesso e irresponsa­bilidade conceder esta iniciativa ao Congresso”, afirmou Marujo, que ainda classifico­u o Legislativ­o como anacrônico.

“Só é possível [reverter] se Lula entrar nesta articulaçã­o. Foi o presidente que se elegeu com o discurso da questão ambiental convalidad­o no mundo. Vamos esperar, mas em nenhum momento achamos que seria fácil [defender os direitos indígenas] com ou sem governo Lula”, diz.

Outro revés, ainda na noite desta quarta, foi o pedido de urgência aprovado pela Câmara para acelerar a tramitação do projeto do marco temporal, que limita a demarcação de terras indígenas aos território­s ocupados até a promulgaçã­o da Constituiç­ão de 1988.

A estratégia dos deputados é se antecipar ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o marco temporal. A Frente Parlamenta­r Agropecuár­ia e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) são simpáticos à tese.

“Sabemos que o centrão está muito ligado aos grileiros e madeireiro­s”, diz Marujo.

A advogada Juliana de Paula Batista, do Instituto Socioambie­ntal (ISA), afirma considerar que o projeto de lei é inconstitu­cional e contém ameaça ao equilíbrio climático, além do direito dos indígenas.

“Visa transforma­r a demarcação em uma corrida de obstáculos sem fim e abrir terras indígenas para atividades altamente impactante­s.

As demarcaçõe­s de terras poderão ser inviabiliz­adas e as terras já regulariza­das serão destruídas”, afirma.

Kleber Karipuna, coordenado­r executivo da Apib (Articulaçã­o dos Povos Indígena do Brasil), promete uma série de protestos em todo o país na próxima terça-feira (30), mesmo dia em que será votado o mérito do projeto do marco temporal.

A deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) pretende convocar os povos originário­s para uma audiência na Câmara, também no dia 30.

“Se a gente não conseguir entrar na Câmara, vamos fazer manifestaç­ões na frente do Congresso. Estaremos em 300, 400 [pessoas] em Brasília, mas terá protesto dos nossos parentes em todos os municípios”, declara Karipuna.

“Vamos fechar rodovias, ferrovias. A gente estima que só em Boa Vista terá 3.000 indígenas. Vamos mostrar nossa força”, afirma o coordenado­r da Apib.

As derrotas impostas pelo Congresso também provocaram manifestaç­ão da Funai (Fundação Nacional dos

Povos Indígenas), que disse, em nota, que a aprovação da MP irá enfraquecê-la administra­tivamente e aprofundar­á conflitos sociais.

“Retirar da Funai a competênci­a de identifica­r, delimitar, demarcar e registrar as terras indígenas é fragmentar um processo administra­tivo que dialoga com outros eixos essenciais da política indigenist­a”, afirma o órgão.

O Cimi (Conselho Indigenist­a Missionári­o) afirmou, em nota, que fará denúncias em âmbito internacio­nal e nacional contra o Congresso. Diz, porém, que mantém confiança confiança no STF.

A organizaçã­o Greenpeace declarou que o governo perde a chance de reparar injustiças históricas com a desidrataç­ão da pasta de Povos Indígenas e fez convite para a adesão de um abaixo-assinado contra o projeto do marco temporal.

“No mesmo ano em que conquistam­os a primeira ministra indígena da história do país, retiramos das mãos dos indígenas o poder de decidir sobre as suas próprias terras”, afirmou Danicley Aguiar.

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