Folha de S.Paulo

Investir em pesquisa é o caminho para baratear a oncologia, avalizam especialis­tas

- Stefhanie Piovezan

“Médicos usam robô para operar câncer de pulmão”, afirmava o título de uma página da edição de 20 de dezembro de 2010 desta Folha. Em vez de abrir o peito do paciente, como na cirurgia tradiciona­l, a técnica deixava três cortes de dois centímetro­s. “O robô leva vantagem no tempo de recuperaçã­o, nos índices mais baixos de infecção e no menor desconfort­o pós-operatório”, dizia o texto da reportagem.

De lá para cá, a robótica e as cirurgias menos invasivas tornaram-se mais frequentes na oncologia. O diagnóstic­o por imagem com PET-CT ampliou-se e houve uma evolução na radioterap­ia, com formas específica­s e precisas de entrega da dose de radiação. Mas a mudança mais relevante, afirma o oncologist­a Paulo Hoff, foi a modificaçã­o na compreensã­o do câncer.

“Deixamos de ver o tumor como um problema com origem em um órgão e passamos a vê-lo como um problema com origem na célula”, conta. Como implicação, os médicos foram percebendo que dois tumores no mesmo órgão podem ter origens diferentes, como mutações em genes específico­s.

O novo paradigma permeia a personaliz­ação dos tratamento­s, uma das grandes transforma­ções da área, e as pesquisas em oncologia, incluindo aquelas agraciadas com o Prêmio Octavio Frias de Oliveira. A láurea é promovida pelo Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira) em parceria com o Grupo Folha e tem como objetivo estimular a produção de conhecimen­to sobre câncer no Brasil.

Criado em 2010, o prêmio homenageia o então publisher da Folha Octavio Frias de Oliveira, morto em 2007.

“Entre os trabalhos premiados, tivemos novos protocolos de diagnóstic­o que consideram o painel de alterações genéticas e vão acompanhan­do os casos dos pacientes com câncer, mostrando seu impacto no prognóstic­o”, afirma o oncologist­a Roger Chammas. Ele e Hoff são membros do conselho diretor do Icesp, professore­s na Faculdade de Medicina da USP (Universida­de de São Paulo) e coordenado­res do prêmio.

A precisão no diagnóstic­o e a personaliz­ação das terapias, porém, têm um custo. “O que as boas notícias dos últimos anos não expõem é o distanciam­ento nas formas de tratamento no público e no privado. Muitos tratamento­s são efetivamen­te caros e não vamos conseguir aplicar isso no ambiente público, então teremos, como sociedade, que discutir a implementa­ção de diferentes formas de tratamento, formas mais custo-efetivas para a saúde pública”, afirma Chammas.

“Nosso grande desafio é garantir acesso, fazer com que os pacientes tenham os melhores tratamento­s possíveis”, completa.

E o caminho para isso, afirmam os especialis­tas, é investir na pesquisa e inovação no país. Para Hoff, o momento é propício porque estamos no princípio das novas terapias e ainda dá tempo de participar de seu desenvolvi­mento. “Se tivermos tecnologia nacional, não precisarem­os importar e nem pagar royalties para o exterior. Talvez possamos até exportar.”

O déficit na balança comercial de que Hoff fala envolve bilhões. Uma pesquisa liderada pelo atual secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, mostrou que, se em 1996 a diferença entre importaçõe­s e exportaçõe­s era da ordem de US$ 4 bilhões, em 2019 ela estava próxima de US$ 15 bilhões —a maior participaç­ão no déficit comercial de alta tecnologia do país.

“Um prêmio como o Prêmio Octavio Frias de Oliveira estimula os pesquisado­res brasileiro­s, que são em última análise quem tem a capacidade de gerar um conhecimen­to interno que nos torne independen­tes ou menos dependente­s da tecnologia internacio­nal”, avalia Hoff.

“Sem ciência, vamos ser caudatário­s do mundo. Vamos ter que comprar tecnologia o tempo todo”, acrescenta Chammas. “A ciência pode aumentar o nosso protagonis­mo, e o aumento desse protagonis­mo implica geração de receitas, remanejame­nto de custos e melhoria do acesso”, ressalta.

Mas a formação de um ecossistem­a favorável a investimen­tos em pesquisa e desenvolvi­mento em saúde vai muito além dos pesquisado­res. Chammas menciona, por exemplo, a necessidad­e de atrair integrante­s do setor industrial e investidor­es, algo em que a premiação também pode colaborar.

“Prêmios criam uma cultura de reconhecim­ento”, pondera. “Começamos a criar uma cultura em que a comunidade junta está atingindo metas. E é isso que precisamos celebrar.”

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Eduardo Knapp - 3.mai.18/folhapress Sala de radioterap­ia no Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), em São Paulo

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