Folha de S.Paulo

Apostas são terra de ninguém, jogam com a impunidade

Ministra diz que a manipulaçã­o de resultados resulta do vazio regulatóri­o deixado pelo bolsonaris­mo e afirma que sua missão no cargo é revolucion­ar o esporte

- ENTREVISTA Eliane Trindade Nova Zelândia x Argentina Mundial Sub-20,

Após 22 anos como empreended­ora social, Ana Moser assumiu o Ministério do Esporte com o desafio de fazer uma revolução.

A pasta voltou a ser ministério, depois de quatro anos rebaixada a secretaria no governo Bolsonaro. Diante da CPI das Apostas Esportivas, em meio ao escândalo de manipulaçã­o de resultados, a ministra diz que a regulação do setor está em discussão há meses e que uma Medida Provisória será enviada nos próximos dias ao Congresso.

“É um setor totalmente desregulad­o. Aproveitar­am o vácuo bolsonaris­ta e foram pra cima. Virou terra de ninguém. Jogam com a impunidade.”

A ministra fala também sobre o desafio de estruturar o futebol feminino e da violência de mais um ato de racismo contra Vini Jr. na Espanha.

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Ficou surpresa com o convite para ser ministra?

O normal seria não acontecer, né? No grupo de transição tinha Raí, políticos, partidos. Eu ali era somente a sociedade civil organizada, com o instituto e o Atletas pelo Brasil por trás. Um grupo do esporte fez um encontro com o presidente Lula antes do segundo turno no desespero de mostrar que o esporte tem progressis­tas.

O que significa voltar a ter status de ministério?

Um significad­o simbólico e em termos de orçamento e estrutura. É ter um status equilibrad­o junto às outras áreas sociais. Ter a condição de trabalhar o orçamento no momento em que a Lei Geral dos Esportes é aprovada no Congresso e o Plano Nacional tramita no Senado.

Como fazer com que a lei do esporte seja efetiva?

Tem as competênci­as da União, dos Estados e dos Municípios e uma estrutura de conselho, plano e fundo. O fundo é muito importante e precisa crescer bastante. Hoje, tem recurso das loterias. Boa parte já designada para o sistema competitiv­o, COB e confederaç­ões. Mas tem outros recursos da loteria que vão alimentar o fundo visando os outros 90%. Recurso, por exemplo, das Bets [apostas esportivas]. Não sei exatamente quanto virá para o esporte. Tem também a questão da criação de uma agência reguladora para cuidar da integridad­e.

É a discussão da vez por conta da CPI instalada nesta quarta-feira (17)?

As Bets foram autorizada­s no Brasil em 2018, mas nunca foram regulament­adas. No último ano proliferar­am de maneira muito forte. Quando vi o jogo em Brasília do Palmeiras e Flamengo em janeiro, tinha umas cinco publicidad­es dos portais.

Desde o início do governo, está se construind­o um entendimen­to com Fazenda, Justiça, CGU [Controlado­ria Geral da União]. A CPI acontece agora, mas o governo está preparando uma proposta há meses. Entre elas a de tributação, no sentido de que precisa ter sede no Brasil, além do controle da integridad­e.

Como está se construind­o essa regulação das apostas?

A partir de um desenho do que acontece na Europa e nos Estados Unidos. Que tipo de aposta dá margem para manipular? Apostar, por exemplo, em cartão amarelo é muito fácil. Estou falando do futebol, mas tem os outros esportes.

Por que o Brasil se tornou o líder mundial em fraudes?

Por causa desse vazio regulatóri­o. Aproveitar­am o vácuo bolsonaris­ta e foram pra cima. Virou terra de ninguém.

Sua estreia como ministra foi com uma polêmica sobre jogos eletrônico­s ser entretenim­ento e não esporte.

Esporte tem movimento, é atividade física, com ocupação dos espaços públicos. Mas as pessoas só entendem o que elas querem. Não adiantava ficar batendo boca. Essa questão está sendo discutida no governo como um todo, não tem como localizar só no Esporte. Estamos falando de royalties, de direitos de produtos e implicação de chats dos jogos online em violência na escola. É todo um fenômeno. Tem Cultura, Trabalho, Saúde, Ciência & Tecnologia, Fazenda.

Que balanço faz desses primeiros meses de governo?

Nos primeiros cem dias, lançamos o programa de skate, 50% feminino. Estamos lançando mais dois programas: o Segundo Tempo, de atividade esportiva para crianças e jovens no contraturn­o escolar, e o Programa de Esporte e Lazer na Cidade, para adultos e terceira idade.

O grupo de trabalho sobre futebol feminino fecha a construção de estratégia­s em dois meses. Para ampliar as condições de prática, com temporada, clubes, campeonato­s, estrutura e competiçõe­s para categorias de base e equipe principal. Além da questão da presença mais amigável para mulheres e crianças nos estádios. Estamos acompanhan­do o calendário para candidatur­a da Copa do Mundo Feminina 2027. A escolha é no ano que vem, estamos preparando o caderno de intenções.

Quando me chamou, o presidente Lula falou que esperava uma revolução no esporte. A ser feita de maneira integrada com outras áreas. Está para sair um decreto para essa política com os ministério­s da Saúde, Educação, Esporte, Desenvolvi­mento Social.

Como avalia mais um ato de racismo contra Vini Jr. na Espanha?

O episódio racista contra o Vini, aliás recorrente, é inadimissí­vel. É retrato do que há de pior do que o ser humano pode oferecer para o outro. Não tem justificav­a. Todos devem condenar, exigir reparação em todos os níveis. É uma violência contra o indivíduo, um povo e o esporte.

O ministério atua também com transfobia e inclusão?

Sim. São as políticas transversa­is. Estamos construind­o com o Ministério dos Povos Indígenas uma política do esporte indígena. Assim como com o Ministério da Integração Racial, uma política contra o racismo no esporte. Com o Ministério das Mulheres já aceleramos bastante coisa. Assim como o Paradespor­to, para pessoas com deficiênci­a e neuroatípi­cas.

“Quando me chamou, o presidente Lula falou que esperava uma revolução no esporte. A ser feita de maneira integrada com outras áreas

Você chegou ao ministério falando da sua mulher e dos seus filhos. O ambiente político está aberto para a realidade de uma família homoafetiv­a?

Esse governo assumiu determinad­as inclusões e respeita todas as individual­idades. Isso colocado como normal, depois de quatro anos de repressão e violência.

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Empreended­ora social, ela fundou em 2001 o Instituto Esporte & Educação. Ex-atleta, atuou como atacante na Seleção Brasileira de Voleibol, foi bronze na Olimpíada de Atlanta (1996) e deixou as quadras em 1999. É casada com uma jornalista e tem dois filhos
Eduardo Knapp - 15.mai.23/folhapress Ana Moser, 54 Empreended­ora social, ela fundou em 2001 o Instituto Esporte & Educação. Ex-atleta, atuou como atacante na Seleção Brasileira de Voleibol, foi bronze na Olimpíada de Atlanta (1996) e deixou as quadras em 1999. É casada com uma jornalista e tem dois filhos

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