Folha de S.Paulo

Conheça o coquetel favorito de Miles Davis

- Daniel de Mesquita Benevides folha.com/geloegim

Agosto de 1959. Miles Davis tinha acabado de lançar “Kind of Blue”. Famoso no planeta inteiro, seu rosto estava “no Monte Rushmore do cool, junto com Marlon Brando e James Dean”, de acordo com um repórter.

Na noite do dia 25, depois de ajudar uma jovem branca a entrar num táxi, ficou na frente da Birdland, autoprocla­mada “esquina mundial do jazz”, dando autógrafos, fumando um cigarro. Foi abordado por um policial, que disse, com a proverbial truculênci­a: “Circulando”.

O trompetist­a explicou que trabalhava ali e mostrou as letras m, i, l, e, s, brilhando na marquise e fotos suas nos cartazes. Começou um bate-boca, juntou uma pequena multidão e de repente, bam! Um porrete surgiu do nada e acertou a cabeça do gênio do jazz. O sangue escorreu no elegante terno cáqui. Miles foi levado para a delegacia. Seu comentário, na celebrada autobiogra­fia escrita com Quincy Troupe: “Eu estava cercado de caras brancos. Aprendi que numa situação dessas não há justiça se você é negro. Nenhuma”.

Miles faria aniversári­o nesta sexta, dia 26. Faz muita falta. Seu coquetel favorito era o excelente rob roy, que fica ainda melhor ao som de seus discos. “Bitches Brew”, por exemplo. “Brew” quer dizer, literalmen­te, bebida fermentada.

Em alguns lugares, a expressão tinha caráter pejorativo. Era usada para designar cervejas aromatizad­as, de baixa qualidade. Quem batizou a obra-prima foi Betty Davis, ex-modelo que se tornou a cantora mais original do funk. Casada com Miles por um tempo curto, apresentou o amigo Jimi Hendrix a ele. E o estimulou a ouvir álbuns de Sly Stone e James Brown. Ou seja, ela foi madrinha do “Bitches Brew” em todos os sentidos, essa “mistura foda” de jazz, funk, rock, psicodelia.

Ídolo de Miles, Roy Eldridge também enfrentou o racismo sob os holofotes. Especialme­nte no período em que era o único negro nas orquestras de Artie Shaw e Gene Krupa

—como Vini Jr. no meio dos “Blancos” do Real Madrid; assim são chamados os jogadores (por causa da camisa, é certo, pero que lo hay, lo hay).

Um dos maiores sucessos do veterano trompetist­a, que transitou entre a era do swing e do bebop, chamava-se justamente “Old Rob Roy”. Seria uma referência ao drinque? Ou ao herói escocês do século 18, Robin Hood das Terras Altas, cantado por Daniel Defoe e Walter Scott?

A primeira menção à mistura de uísque escocês com vermute data de 1894. Teria surgido no Waldorf Astoria, templo de conforto e lazer para brancos ricos. Ficava onde hoje se ergue o agulhão do Empire State. É uma versão do Manhattan, com o uísque substituin­do o bourbon ou rye.

O livro “Cocktails of the Movies” garante que o rob roy aparece em “Anjos da Broadway”, filme de 1940, dirigido e escrito por Ben Hecht, um dos roteirista­s favoritos de Pauline Kael. Dá para ver no Youtube, sem legendas.

Mesmo para quem sabe inglês, nem sempre é fácil acompanhar os diálogos, ácidos, velozes. No malabarism­o verbal de gângsteres, artistas decadentes e a dançarina interpreta­da por Rita Hayworth, o rob roy se perde. Alguém pediu?

Como os personagen­s estão sempre com uma taça, é grande a chance de a carta de drinques ter sido bebida de A a R, no mínimo. Ou que o rob roy tenha sido especifica­do no roteiro. No nosso script, o brinde vai para Miles, Eldridge, Betty Davis. E Vini Jr.

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O ato em solidaried­ade às vítimas, 19 alunos e dois professore­s, e seus familiares marca o desejo da população local pela diminuição da violência
Wu Xiaoling/xinhua PESSOAS SE REÚNEM EM VIGÍLIA À LUZ DE VELAS POR VÍTIMAS DE TIROTEIO EM UMA ESCOLA DO TEXAS, NOS EUA, HÁ UM ANO O ato em solidaried­ade às vítimas, 19 alunos e dois professore­s, e seus familiares marca o desejo da população local pela diminuição da violência
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Reprodução Capa do disco ‘Jack Johnson’, de Miles Davis; seu drinque favorito leva uísque escocês e vermute
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Tati Frison/divulgação Bao tostado e recheado do Punk Cuisine

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