Curadoria mantém radar aguçado para artistas em ascensão
Uma ruazinha de paralelepípedos separa os dois lados da construção de tijolos aparentes que abrigou fábricas de tambores e geladeiras na década de 1940 e que, anos depois, nas mãos da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, virou matéria-prima para a criação do Sesc Pompeia, inaugurado em 1982 na região oeste de São Paulo.
À esquerda de quem chega ao complexo está a comedoria, uma espécie de galpão que sedia shows para até 800 pessoas distribuídas em mesinhas e em pé. Do lado oposto e mais à frente, acessa-se o teatro, cujo palco pode ser rodeado por até 746 pessoas.
São formatos distintos que acabam por se completar. A comedoria garante a informalidade da apresentação com um público que circula solto com chopes e taças de vinho nas mãos, num formato mais típico de casas de shows.
No teatro, por outro lado, as famosas cadeirinhas de madeira, praticamente coladas umas às outras, e o palco baixo —as primeiras fileiras ficam quase na altura dele— diminuem a distância entre artista e público e aumentam o intimismo. Ao mesmo tempo, o palco centralizado, cercado por duas plateias viradas uma para a outra e por galerias superiores, como numa arena, mantém a reverência ao que se vê ali quando as luzes diminuem.
Acolhendo seu passado industrial e negando os enquadramentos habituais da arquitetura da época, o Sesc Pompeia se tornou um dos principais espaços de cultura e lazer da cidade de São Paulo —e isso se traduz, principalmente, em sua programação musical, eleita a mais forte dentre as casas de show com capacidade de 500 a 2.000 pessoas em São Paulo ao lado do Cine Joia (veja na página ao lado).
Desde seu primeiro ano, quando recebeu O Começo do Fim do Mundo, festival punk considerado um dos marcos do movimento no país, até os dias atuais, a curadoria da unidade soube manter seu radar aguçado para nomes em ascensão na música nacional. O espaço também traz para o Brasil artistas internacionais, que, não fossem os palcos do Sesc, dificilmente tocariam por preços tão amigáveis em um país estrangeiro.
Diferentes gêneros, sonoridades e territorialidades têm espaço ali. Vasculhando a programação, é possível encontrar lançamentos e shows comemorativos, apresentações de obras inéditas criadas a partir de sugestões do próprio corpo técnico da empresa — que mantém um selo musical—, encontros familiares ou entre gerações, homenagens e festivais que abraçam do jazz à música experimental.
Na prática, o local foi um dos primeiros palcos de nomes fundamentais para a música brasileira, como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e Titãs, por exemplo.
Entre os artistas internacionais que já passaram pelos espaços da casa estão The Sun Ra Arkestra, Slum Village, Kamasi Washington e Patti Smith —que não chegou a cantar, mas lançou um livro no teatro em 2019 com ingressos distribuídos gratuitamente. Só em 2022, os palcos da rua Clélia receberam cerca de 64 mil pessoas em mais de 200 apresentações.
Entre estreias e despedidas —como o último show de Mamão, lendário baterista da banda Azymuth, que tocou ao lado de Marcos Valle no festival Zunido um mês antes de sua morte, em março deste ano—, a sensação é a de que a curadoria da unidade extrapola a apresentação e tem um claro cuidado com a forma com que a música será percebida naqueles espaços. O resultado são shows que ficam estampados na memória do público, indissociáveis dos locais onde aconteceram.