Palco centralizado deixa público em posição estratégica
Quem desce no metrô Vergueiro, no Paraíso, e caminha até o Centro Cultural São Paulo (CCSP) dificilmente imagina que ali dentro há um lugar para ver shows. O complexo reúne biblioteca, jardins, espaços reservados a exposições, salas que podem ser usadas para exibir filmes ou como auditório, além de espaços de convivência, estudo e leitura.
É um local muito frequentado por estudantes e jovens praticando passos de dança —seja de k-pop, seja de hip-hop. Não há bares vendendo cerveja, música ambiente para aquecer o público antes da apresentação e nada do que remeta à atmosfera de uma casa de shows.
Mas logo depois de uma das entradas do CCSP fica a Sala Adoniran Barbosa, que é isolada acusticamente por paredes de vidro e tem um palco posicionado como um buraco no chão. Trata-se de um espaço raro na cidade, com uma arquitetura nada usual, capaz de potencializar a experiência musical.
A Sala Adoniran Barbosa tem um palco no meio, com cadeiras escalonadas em seu entorno. Assim, não há uma parte de trás, um fundo do palco. Poucos metros acima, e ao redor do “buraco” onde fica o palco, há uma espécie de arquibancada, em que o público tem de olhar para baixo para assistir ao show.
Em termos de visão de palco, não há casa de show minimamente parecida com o Centro Cultural São Paulo. Os músicos, necessariamente, se apresentam de costas para alguma fatia do público, o que costuma inclusive modificar os shows, já que os artistas têm de se movimentar e se virar para todos os lados conforme cantam ou tocam um instrumento.
Quem está nas arquibancadas tem uma visão ainda mais única. Vê o artista de frente, de costas ou de lado, e de um ângulo ainda mais improvável, pois consegue enxergar de cima o que acontece no palco —este, praticamente não fica elevado em relação ao chão, na mesma altura de quem está embaixo.
No caso de bandas, é comum que os integrantes se posicionem de frente uns para os outros, ou seja, parte deles ficam de costas para um canto da plateia e de frente para outro. É normalmente o posicionamento que uma banda adota durante um ensaio, trazendo o espectador praticamente para dentro de onde acontece a ação.
Quando os shows são mais animados, é comum que o público abandone as cadeiras e se aglomere no entorno dos músicos, ocupando os quatro cantos ao redor do palco. Quem está mais perto fica a poucos metros de quem está tocando, em contato quase físico com os cantores ou instrumentistas, e essa energia vai emanando pelo espaço.
Há casas em São Paulo que proporcionam uma sensação de intimismo parecida com a da Sala Adoniran Barbosa, mas poucas fogem da estrutura clássica, de um palco um pouco elevado em relação ao chão, encostado em uma parede, com músicos de frente para a plateia —a exceção talvez seja o teatro do Sesc Pompeia, com plateia em dois dos quatro cantos do palco.
De certa forma, é como se o Centro Cultural São Paulo redimensionasse o formato da roda de samba, em que os artistas tocam sentados em uma mesa, um de frente para o outro, e o público fica em pé ao redor —o que não deixa de ser uma homenagem a um dos maiores nomes do samba de São Paulo, que batiza o espaço.
Também é possível pensar em um estádio de futebol, com as chamadas “gerais”, onde o público fica de pé no entorno do gramado, e as arquibancadas em um nível acima. Nessa comparação, o gramado seria o palco, e de certa forma até o posicionamento das luzes lembram os refletores das arenas.
Ainda que se encontrem casas e teatros que forneçam uma visão até mais clara de quem está se apresentando, o Centro Cultural São Paulo, com seus 622 lugares, se destaca pela originalidade. Não há nada como atravessar o paredão de vidro e se enfiar num buraco para ver um show na Sala Adoniran Barbosa, onde o artista está literalmente no meio do povo, e a energia musical é transmitida quase sem intermediários.
Centro Cultural São paulo
R. Vergueiro, 1.000, Paraíso, zona sul. Instagram @centroculturalsp. Programação em centrocultural.sp.gov.br