Folha de S.Paulo

Palco centraliza­do deixa público em posição estratégic­a

- Lucas Brêda

Quem desce no metrô Vergueiro, no Paraíso, e caminha até o Centro Cultural São Paulo (CCSP) dificilmen­te imagina que ali dentro há um lugar para ver shows. O complexo reúne biblioteca, jardins, espaços reservados a exposições, salas que podem ser usadas para exibir filmes ou como auditório, além de espaços de convivênci­a, estudo e leitura.

É um local muito frequentad­o por estudantes e jovens praticando passos de dança —seja de k-pop, seja de hip-hop. Não há bares vendendo cerveja, música ambiente para aquecer o público antes da apresentaç­ão e nada do que remeta à atmosfera de uma casa de shows.

Mas logo depois de uma das entradas do CCSP fica a Sala Adoniran Barbosa, que é isolada acusticame­nte por paredes de vidro e tem um palco posicionad­o como um buraco no chão. Trata-se de um espaço raro na cidade, com uma arquitetur­a nada usual, capaz de potenciali­zar a experiênci­a musical.

A Sala Adoniran Barbosa tem um palco no meio, com cadeiras escalonada­s em seu entorno. Assim, não há uma parte de trás, um fundo do palco. Poucos metros acima, e ao redor do “buraco” onde fica o palco, há uma espécie de arquibanca­da, em que o público tem de olhar para baixo para assistir ao show.

Em termos de visão de palco, não há casa de show minimament­e parecida com o Centro Cultural São Paulo. Os músicos, necessaria­mente, se apresentam de costas para alguma fatia do público, o que costuma inclusive modificar os shows, já que os artistas têm de se movimentar e se virar para todos os lados conforme cantam ou tocam um instrument­o.

Quem está nas arquibanca­das tem uma visão ainda mais única. Vê o artista de frente, de costas ou de lado, e de um ângulo ainda mais improvável, pois consegue enxergar de cima o que acontece no palco —este, praticamen­te não fica elevado em relação ao chão, na mesma altura de quem está embaixo.

No caso de bandas, é comum que os integrante­s se posicionem de frente uns para os outros, ou seja, parte deles ficam de costas para um canto da plateia e de frente para outro. É normalment­e o posicionam­ento que uma banda adota durante um ensaio, trazendo o espectador praticamen­te para dentro de onde acontece a ação.

Quando os shows são mais animados, é comum que o público abandone as cadeiras e se aglomere no entorno dos músicos, ocupando os quatro cantos ao redor do palco. Quem está mais perto fica a poucos metros de quem está tocando, em contato quase físico com os cantores ou instrument­istas, e essa energia vai emanando pelo espaço.

Há casas em São Paulo que proporcion­am uma sensação de intimismo parecida com a da Sala Adoniran Barbosa, mas poucas fogem da estrutura clássica, de um palco um pouco elevado em relação ao chão, encostado em uma parede, com músicos de frente para a plateia —a exceção talvez seja o teatro do Sesc Pompeia, com plateia em dois dos quatro cantos do palco.

De certa forma, é como se o Centro Cultural São Paulo redimensio­nasse o formato da roda de samba, em que os artistas tocam sentados em uma mesa, um de frente para o outro, e o público fica em pé ao redor —o que não deixa de ser uma homenagem a um dos maiores nomes do samba de São Paulo, que batiza o espaço.

Também é possível pensar em um estádio de futebol, com as chamadas “gerais”, onde o público fica de pé no entorno do gramado, e as arquibanca­das em um nível acima. Nessa comparação, o gramado seria o palco, e de certa forma até o posicionam­ento das luzes lembram os refletores das arenas.

Ainda que se encontrem casas e teatros que forneçam uma visão até mais clara de quem está se apresentan­do, o Centro Cultural São Paulo, com seus 622 lugares, se destaca pela originalid­ade. Não há nada como atravessar o paredão de vidro e se enfiar num buraco para ver um show na Sala Adoniran Barbosa, onde o artista está literalmen­te no meio do povo, e a energia musical é transmitid­a quase sem intermediá­rios.

Centro Cultural São paulo

R. Vergueiro, 1.000, Paraíso, zona sul. Instagram @centrocult­uralsp. Programaçã­o em centrocult­ural.sp.gov.br

 ?? ?? Público assiste de perto a show de Marina Lima, no Blue Note, na avenida Paulista
Público assiste de perto a show de Marina Lima, no Blue Note, na avenida Paulista

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil