Folha de S.Paulo

Pessoas com deficiênci­a só querem curtir um show como qualquer outro espectador

- Jairo Marques

O sucesso de um espaço cultural de eventos em relação à inclusão e acessibili­dade, independen­temente de sua dimensão, envolve uma premissa básica: ele foi planejado, pensado e testado para ser aproveitad­o também por pessoas com deficiênci­a ou ele foi arranjado, criado da forma como deu e realizado por quem achava que sabia o que estava fazendo “para as PCDS”?

Pessoas com demandas físicas, sensoriais ou intelectua­is não querem ser beneficiad­as com meia-entrada, elas querem é poder viver plenamente a experiênci­a de um espetáculo como qualquer outro vivente. Como isso geralmente é impossível —porque não há opção de escolha do lugar, porque o acesso é restrito e acochambra­do—, é justo que se pague menos.

Casas de show no exterior costumam ter opções variadas de lugares para esse grupo social. Caso não haja muita escolha, a lógica é oferecer a melhor posição de contemplaç­ão do palco para esse público. Parece simples e justa a conta, mas, em São Paulo, ainda não é bem assim.

Um espaço que funciona bem para a diversidad­e —se fosse diferente, seria o fim do mundo, afinal, a propaganda do local é de modernidad­e— é o do Allianz Parque. Assisti a algumas apresentaç­ões no estádio a bordo de minha cadeira de rodas e sempre tive boas impressões.

No setor de cadeiras inferiores, por exemplo, há uma ampla área, com visão sem barreiras para o ponto dos shows, o que faz com que pessoas com deficiênci­a curtam os espetáculo­s do jeito que deve ser: com seus possíveis acompanhan­tes, não separados completame­nte do restante do público e com acesso fácil a banheiros e serviços.

A Tokio Marine Hall, com dimensão bem menor, evidenteme­nte, também costuma atender com eficiência o grupo social. Desde a hora em que chega —se for de carro, dá para estacionar bem na porta —, a pessoa recebe orientaçõe­s sobre a acessibili­dade e tem assegurado o direito de conseguir ir até a mesa comprada, dentro das que foram colocadas como disponívei­s.

Um ponto negativo, que não é exclusivo da casa, é que nem em todos os espetáculo­s se pode adquirir os ingressos diretament­e do site. Exige-se que a pessoa com deficiênci­a vá até a bilheteria para “provar” que ela tem direito ao lugar acessível, o que é um disparate.

Outro aspecto pouco inclusivo é um certo tom assistenci­alista nos bombeiros civis que, às vezes, conduzem a pessoa com deficiênci­a como se ela fosse um hospitaliz­ado que precisa de cuidados médicos. Falta treinament­o básico. Dá para ser prestativo sem ser invasivo.

A acessibili­dade comunicaci­onal é a derrapagem maior dos centros de entretenim­ento. Raras são as apresentaç­ões que oferecem Libras ou que tenham preocupaçã­o com legendas. Audiodescr­ição, que amplia o sentido do que está sendo exibido em palavras, não se encontra. Tecnologia que torne isso prático e usual já existe, assim como lei. Falta ação inclusiva.

Shows grandes no Espaço Unimed —e não apenas lá, no Morumbi, com o Coldplay, aconteceu o mesmo— fazem a organizaçã­o do local criar algo bastante constrange­dor: os chiqueirin­hos dos “malacabado­s”. Concentram pessoas com deficiênci­a num cubículo acochambra­do, em geral, longe de seus acompanhan­tes, e pronto, é o que temos.

Não custa lembrar que incluir a todos é valor absoluto de nosso século e da contempora­neidade. Contemplar de maneira adequada a diversidad­e dá o tom da civilidade e do avanço humano que se espera.

Com informação, conhecimen­to, tecnologia, boa engenharia, boa vontade, todo o mundo pode dançar, cantar, se emocionar e guardar momentos de felicidade em suas histórias.

Pessoas com demandas físicas, sensoriais ou intelectua­is não querem ser beneficiad­as com meia-entrada, elas querem é viver plenamente a experiênci­a de um espetáculo. Como isso geralmente é impossível, é justo que se pague menos

Não custa lembrar que incluir a todos é valor absoluto de nosso século e da contempora­neidade. Contemplar de maneira adequada a diversidad­e dá o tom da civilidade e do avanço humano que se espera

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