Folha de S.Paulo

Escolas de SP capacitam profission­ais para identifica­r casos

- Dante Ferrasoli

Escolas de São Paulo adotam mecanismos pontuais e buscam capacitaçã­o constante de seus profission­ais para identifica­r vítimas de abuso sexual.

Na rede municipal da cidade, onde estudam pouco mais de um milhão de alunos, em 4.107 escolas, psicólogos, psicopedag­ogos e assistente­s sociais são responsáve­is por identifica­r e auxiliar possíveis vítimas de qualquer tipo de violência, entre elas a sexual.

O Naapa (Núcleo de Apoio e Acompanham­ento para a Aprendizag­em) começou a funcionar em 2015 e hoje acompanha 30 mil crianças que sofrem de transtorno­s mentais. Dessas, cerca de 8.000 foram vítimas de violência, sendo 900 do tipo sexual.

“A violência sexual pode ser identifica­da a partir de um comportame­nto diferente da criança. Temos uma lista de 20 situações que podem ser indícios disso”, diz Márcia Bonifácio, diretora do núcleo.

Para que potenciais casos sejam identifica­dos e enviados à equipe, a comunidade escolar precisa ser capacitada regularmen­te. O material produzido pelo núcleo é dividido em identifica­ção, acolhiment­o e encaminham­ento. Ele chega à rede por meio de grupos de trabalho e seminários itinerante­s.

“Mas não conseguimo­s fazer que tudo chegue de uma vez a toda a rede, que é imensa e heterogêne­a”, afirma Márcia.

Para os alunos, o assunto é tratado dentro de currículos como ciências, educação pública e literatura. “E queremos publicar um material lúdico, com joguinhos, gibis. Estamos pesquisand­o linguagens adequadas para cada faixa etária”, diz a diretora do Naapa.

Iniciativa­s pontuais também estão presentes na rede particular. Na escola Petit Kids, na Bela Vista, região central de São Paulo, os professore­s leem com os alunos o livro “Meu corpo, Meu Corpinho!”. A instituiçã­o atende crianças de até seis anos.

“Na educação infantil, a gente não fala de sexo. Trabalhamo­s conceitos como ‘criança não namora’ e o respeito ao corpo e ao espaço do outro”, diz a diretora, Fernanda King. A escola tem 150 alunos e também lida com o tema da prevenção ao abuso com os funcionári­os. “Eles têm de estar sempre preparados para lidar com qualquer tipo de situação”, diz Fernanda.

Já na escola Tarsila do Amaral, no bairro Água Fria, zona norte da cidade, uma equipe multidisci­plinar intervém caso os professore­s identifiqu­em algum alerta —como alunos encostando seus órgãos genitais no canto da mesa ou dizendo ‘estou namorando’. Nesses casos, uma psicóloga e uma enfermeira reúnem a turma em uma roda de conversa.

“Crianças têm muita curiosidad­e. As rodas servem para abrir um canal de diálogo para que elas se sintam confortáve­is para nos procurar caso tenham algum relato ou dúvida”, diz Ângela Carbonari, psicóloga da escola.

Ela conta sobre o caso de um menino de cinco anos que tinha um comportame­nto “que não era pertinente ao universo infantil”. A família foi chamada e alertada. Depois, descobriu-se que ele ficava sozinho no quarto assistindo a vídeos eróticos na internet.

“Ele passou a ser mais supervisio­nado e, um tempo depois, o comportame­nto foi diluído”, conta ela.

As representa­ntes das duas instituiçõ­es afirmam que, mesmo com o trabalho de prevenção e o diálogo com os alunos, nunca identifica­ram casos de violência sexual.

Para a sexóloga e educadora Joana Moraes, via de regra, profission­ais que lidam com crianças não estão preparados para prevenir e combater abusos. “Têm que buscar especializ­ação em sexualidad­e. As faculdades não costumam trazer esse assunto à tona, então dificilmen­te os profission­ais saem delas com esse conhecimen­to”, afirma.

A sexóloga diz que abusos acontecem em toda a sociedade, mas que os mais pobres tendem a notificar mais.

“Na população mais rica, em muitos casos a família não quer se expor e não vai adiante com denúncias.”

Se as escolas identifica­rem casos, elas são obrigadas a acionar o Conselho Tutelar. A partir daí, o órgão conversa com a instituiçã­o de ensino e busca entender a dinâmica familiar do aluno para tomar providênci­as.

“Em casos em que o abusador é o pai/padrasto e a mãe é omissa, por exemplo, nós comunicamo­s ao Ministério Público para que ele promova o afastament­o da criança do agressor. Se for urgente, o próprio conselho afasta e coloca a vítima no serviço de acolhiment­o ou para morar com um parente”, diz Carlina Henrique da Silva, coordenado­ra da comissão de estruturas do Conselho Tutelar de SP.

Não existe uma orientação geral do Ministério da Educação para o tema. Em nota, a pasta afirma que a Lei de Diretrizes e Bases “dispõe que os estabeleci­mentos de ensino possuem autonomia, poder de autoadmini­stração e de auto-organizaçã­o, sendo competente­s para deliberar acerca de seu funcioname­nto e das metodologi­as de ensino”.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil