Folha de S.Paulo

Não ao PL 490

- Txai Suruí Coordenado­ra da Associação de Defesa Etnoambien­tal - Kanindé e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia

Uma pessoa sabe que está morta quando não consegue mais escutar a voz dos bichos, dos Morah-ey (espíritos da floresta), das árvores, dos rios. Pessoas assim talvez estejam mesmo mortas por dentro. Decerto por isso não conseguem ouvir o choro dos animais e das árvores queimando. Decerto por isso não escutam as histórias contadas pelas águas dos rios. Talvez por isso o Wãwã Davi Kopenawa diga que os brancos não sonham.

Provavelme­nte não sentiram, como eu, a inquietaçã­o dos Morah-ey e o aperto no peito decorrente do genocídio votado no Congresso Nacional na última quarta-feira para aprovar o pedido de urgência do PL 490/07; e isso logo após os congressis­tas terem retirado a demarcação das terras indígenas do Ministério dos Povos Indígenas e o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a Agência Nacional de Águas (ANA) do Ministério do Meio Ambiente. Tentam fragilizar as duas pastas e buscar uma política ambiental e indigenist­a do governo passado.

O PL 490/07 transfere a demarcação das terras indígenas do Executivo para o Congresso, além de prever a tese do marco temporal. Uma tese inconstitu­cional e genocida. Além disso, o projeto de lei ainda permite a abertura dos território­s indígenas para o garimpo, que já está nos matando e também os nossos rios. Lembremos o que enfrenta a Terra Indígena Yanomami.

“Quando dragas de garimpo ou hidrelétri­cas bloqueiam os rios sagrados, é como se entupissem nossas veias e artérias. Grileiros, fazendeiro­s e pistoleiro­s invadem nossos território­s, nos ameaçam e nos matam com o intuito de usufruir dos nossos recursos. O marco temporal representa tudo isso. É uma tese perversa, que legitima a violência contra os nossos corpos-território­s. Há sangue indígena nas mãos e na ponta das canetas dos ministros” escreveu Samela Sateré Mawé em artigo nesta Folha.

O art. 231 da Constituiç­ão Federal diz que “as terras tradiciona­lmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”, ou seja, o direito dos povos indígenas sobre seus território­s é cláusula pétrea e não pode ser mudado por interesses pessoais.

Ignoram a importânci­a das nossas florestas para o mundo no combate às emergência­s climáticas, que já são sentidas nos território­s —como viu o povo tupari, cujas aldeias alagaram no início do ano— e também nas cidades, como os deslizamen­tos em São Paulo.

Mas, no futuro, terão de se explicar aos seus filhos e netos e às próximas gerações sobre as consequênc­ias de sua ganância. Lutemos pelos direitos indígenas, lutemos pela vida! Demarcação já! Não ao PL 490!

 ?? Marília Marz ??
Marília Marz

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil