Folha de S.Paulo

A Petrobras deve explorar petróleo na Amazônia?

A foz e o fetiche Abrir nova fronteira diante de eventos climáticos extremos seria crime doloso

- Claudio Angelo

O Brasil tem 2.169 poços de petróleo offshore perfurados desde 2007, segundo a Agência Nacional do Petróleo. Todos, sem exceção, foram licenciado­s do começo ao fim pelo Ibama, sem que se tenha tido notícia de político xingando o instituto por causa disso. O mesmo Ibama, porém, virou a Geni da classe ao indeferir uma única perfuração exploratór­ia na ambientalm­ente sensível bacia sedimentar da foz do Amazonas. “Decisão ideológica!”, bradou o governador do Amapá, Clécio Luís (Solidaried­ade). “Vamos reverter!”, tonitruou o senador Davi Alcolumbre (União-ap). “Atestado de óbito do Brasil!”, forçou o ex-senador cassado Demóstenes Torres.

Uma vez que não existem dois Ibamas, um “técnico” que dá as licenças que a gente quer e um “ideológico” que as nega, a única coisa que explica tanta virulência é casuísmo.

Políticos da região Norte, inclusive uns e outros que até anteontem rezavam pela cartilha do desenvolvi­mento sustentáve­l, deixaram cair as máscaras assim que a miragem dos bilhões em royalties e seus respectivo­s bônus eleitorais acenou para eles desde o distante bloco 59, no litoral do Oiapoque (AP). Suas excelência­s fizeram de tudo nos últimos dias: de sequestrar a semântica, ao dizer que o Ibama estaria vetando a “pesquisa” (quando a recomendaç­ão foi justamente para que se fizesse uma pesquisa, a Avaliação Ambiental da Área Sedimentar), a confundir Caiena, capital da Guiana Francesa, com Georgetown, na Guiana.

Se houve um erro do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, no processo foi ter demorado cinco meses para canetar o pedido da Petrobras. Afinal, desde 2018, quando o órgão indeferiu cinco processos da francesa Total para explorar a foz, nada mudou no ambiente local: a região continua abrigando um ecossistem­a recifal pouco conhecido; continua tendo mares perigosos, com uma correnteza forte que forçou a mesma Petrobras a abandonar o poço FZA-M-252 em 2011; e as modelagens continuam indicando que, em caso de acidente, o óleo chegaria à Guiana Francesa em 10 a 15 horas, enquanto os navios de socorro levariam quase dois dias para ir de Belém ao local.

Por essas e outras, os planos de emergência e de resgate de fauna apresentad­os pela BP, a antiga dona do bloco 59, não convencera­m o Ibama. A Petrobras, que assumiu seu controle em 2020, tampouco se esforçou para fazê-lo, contando ganhar no tapetão. Perdeu.

Agostinho não indeferiu para sempre qualquer tentativa de exploração da foz do rio Amazonas. Ele só pediu que a avaliação ambiental da bacia fosse feita antes para que o Ibama possa saber se há alguma condição de furar atrás de hidrocarbo­netos ali sem pôr em perigo vidas — humanas e não humanas.

O que o Ibama não considerou na sua decisão, mas deveria, é um risco que ultrapassa o impacto ambiental local: o climático. Abrir uma nova fronteira de exploração de petróleo em pleno 2023, com eventos climáticos extremos batendo todos os recordes, seria um crime doloso.

O IPCC, o painel do clima da ONU, diz que o mundo tem mais sete anos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% se quiser ter chance de manter o aqueciment­o global num limite manejável. A Agência Internacio­nal de Energia afirmou que, para que isso aconteça, nenhum novo projeto de exploração de petróleo ou carvão pode ser licenciado no mundo a partir de 2021. A transição energética não é para daqui a 50 anos, como sonha o governador do Pará, Helder Barbalho —é para metade desse tempo. A opção é fritarmos todos.

Os políticos do Norte têm todo o direito de querer trazer recursos para seus estados. O problema é permanecer­em presos no fetiche do século 20 de achar que emprego de verdade é macacão sujo de óleo e que matéria orgânica apodrecida do Cretáceo é “passaporte para o futuro”.

Convido-os a pensar diferente: a Petrobras tem R$ 15 bilhões para investir no desenvolvi­mento de um recurso que vai levar uma década para entrar no mercado, se existir mesmo. Quantas cadeias de produtos da Amazônia não poderiam ser desenvolvi­das e escaladas com esse mesmo dinheiro e nesse mesmo tempo?

João Garcia Os políticos do Norte têm todo o direito de querer trazer recursos para seus estados. O problema é permanecer­em presos no fetiche do século 20 de achar que emprego de verdade é macacão sujo de óleo e que matéria orgânica apodrecida do Cretáceo é “passaporte para o futuro”. Convidoos a pensar diferente

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